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Editorial

Mais um duro golpe contra o povo

Projeto que afrouxa a Lei de Improbidade Administrativa e dificulta ainda mais a condenação de políticos e agentes públicos no País é um escárnio

01 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Prejuízo poderia ter sido maior, pois o texto inicial gerado na Câmara dos Deputados era ainda mais brando
Prejuízo poderia ter sido maior, pois o texto inicial gerado na Câmara dos Deputados era ainda mais brando (Crédito: Pablo Valadares / Arquivo Agência Câmara)

Quando a gente acha que já viu de tudo neste Brasil varonil, eis que somos surpreendidos novamente. Pois bem, acaba de ser aprovado pelo Senado um projeto que flexibiliza a Lei de Improbidade Administrativa e -- acreditem -- afrouxa e dificulta ainda mais a condenação de agentes públicos. Uma piada de mau gosto para a população e que seria cômica se não fosse trágica.

E o prejuízo poderia ter sido maior, pois o texto inicial gerado na Câmara dos Deputados era ainda mais brando. No Senado, o projeto sofreu alterações e acabou aprovado por 47 votos a 24, com votos de todo o espectro político. Ou seja, na hora em que estão em jogo interesses da própria classe política, ela se une e deixa o eleitor de escanteio.

Devido às mudanças, a proposta terá de ser analisada e votada novamente pelos deputados.

A Lei da Improbidade Administrativa trata das condutas de agentes que atentam contra a administração pública, promovam prejuízos aos cofres públicos ou enriqueçam ilicitamente, se valendo do cargo que ocupam.

Controverso, o projeto promove mudança expressiva na legislação em vigor, que é de 1992. Dos 25 artigos, somente dois não são modificados pela nova proposta.

Uma das principais alterações estabelece que, para a condenação de agentes públicos, será exigida a comprovação de dolo, ou seja, da intenção de cometer irregularidade. Atualmente, a lei permite a condenação de agentes públicos que lesarem os cofres públicos por omissões ou atos dolosos e culposos, isto é, sem intenção de cometer crime.

A mudança prevista no projeto, na prática, dificulta a condenação e, consequentemente, pode atrapalhar o combate às irregularidades. Por maior que seja um prejuízo ou irregularidade causada por um agente público, ele só será punido se o Ministério Público conseguir comprovar que ele teve a intenção de causar o prejuízo, o que nem sempre é tecnicamente fácil.

Pelo texto, o Ministério Público será o único órgão legitimado a propor ações de improbidade. Atualmente, órgãos de estados, municípios e a União podem fazer isso. Para a Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais, a medida pode afetar as negociações dos acordos de leniência da lei anticorrupção.

Outro ponto muito criticado por entidades da sociedade civil é a prescrição intercorrente, incluída pelos parlamentares na lei. Os casos de improbidade passam a ser arquivados sempre que se passarem quatro anos dentro de uma mesma etapa do processo sem que seja resolvida. A consequência retroativa? Vai levar para o lixo centenas de ações contra deputados e senadores que ajudaram a aprová-la.

Além desses, há uma série de outros retrocessos na legislação aprovada. Uma das mudanças, por exemplo, faz com que um político punido por ato em um cargo não perca a função em outro. Assim, se um ex-prefeito for condenado por improbidade administrativa não perderia o cargo de governador, por exemplo, ainda que tenha chegado lá beneficiado pelas irregularidades praticadas no primeiro cargo. O texto permite, no entanto, que, em caráter excepcional, a Justiça estenda a punição a outros vínculos públicos “considerando-se as circunstâncias do caso e a gravidade da infração”.

Defensores da medida, no entanto, dizem que a alteração é necessária para dar mais segurança a gestores públicos na tomada de decisões, principalmente, nas prefeituras de pequenas cidades. Segundo essa turma, a medida impede que um gestor que tenha errado por imperícia seja colocado no mesmo balaio dos políticos que cometem malfeitos de forma proposital, para tirar algum proveito.

Na teoria isso até poderia funcionar. A questão é que, na prática, no Brasil, os malfeitores irão utilizar essa situação para escapar da Justiça. Estamos cansados de ver isso acontecer.

Enfim, mais um duro golpe contra aqueles que trabalham, pregam e buscam uma classe política mais honesta e comprometida com as necessidades e os anseios da população. Se o caráter da grande maioria dos políticos brasileiros fosse bom, não seria necessário uma lei tão minuciosa para combater irregularidades. Se já é muito difícil punir um político atualmente em nosso País, imaginem depois disso?

O Brasil possui recursos para ser uma grande potência, porém, isso só será possível combatendo os malfeitos, a corrupção e a impunidade dos agentes públicos. E certamente não é afrouxando a lei que isso irá acontecer.