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Editorial

Toda doação é um gesto de amor

Houve redução significativa no número de doadores efetivos na comparação com os dois últimos anos

28 de Setembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Instituído em 2007, o Dia Nacional da Doação de Órgãos foi celebrado neste 27 de setembro
Instituído em 2007, o Dia Nacional da Doação de Órgãos foi celebrado neste 27 de setembro (Crédito: Vinícius Fonseca)

Doar. Verbo regular, bitransitivo. Uma palavrinha pequena, mas de significado gigantesco. Ela vem do latim “donare” e também simboliza entregar-se, demonstrar dedicação a uma causa ou pessoa. Contudo, doar não tem sido fácil. Ainda mais em tempos de pandemia.

Instituído em 2007, o Dia Nacional da Doação de Órgãos foi celebrado neste 27 de setembro. A data é dedicada à conscientização sobre a importância da doação. Apesar da ampliação da discussão do tema nos últimos anos, trata-se ainda de um assunto polêmico e de difícil entendimento, resultando num alto índice de recusa.

Estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por exemplo, identificou três motivos principais para essa recusa -- que não ocorre só no Brasil, diga-se: incompreensão da morte encefálica, falta de preparo da equipe na comunicação sobre a morte e religião.

E se doação de órgãos já é um tema complexo, ficou ainda mais difícil nos últimos tempos. Levantamento da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) mostra que, nos seis primeiros meses de 2021, houve redução de 13% no número de doadores efetivos na comparação com o mesmo período de 2020 e de 18% em relação a 2019.

De acordo com a associação, o principal motivo do declínio é o aumento de 44% na taxa de contraindicação, pelo risco de transmissão do coronavírus ou pela dificuldade de realizar o teste PCR. Especialistas lembram também que as doações sofreram queda devido à lotação e excesso de trabalho nas unidades de terapia intensiva (UTIs) do País.

O fato das pessoas que morrem em decorrência da Covid não poderem ser doadoras quando estão infectadas também piorou o cenário. A ABTO reforça que o impacto da Covid-19 nas doações é evidente. Desde 2014, não havia uma taxa tão baixa no Brasil.

O reflexo disso é na fila para transplantes, que atualmente conta com mais de 50 mil pessoas em busca de um órgão ou tecido -- o número muda a cada dia e ontem estava em 53.218. Há três meses, a fila de espera por transplantes tinha 45.664 pacientes ativos.

Desses, 26.230 precisavam de uma doação de rim, o que representa mais de 57%. No período, os estados com mais pessoas no aguardo de um transplante de órgão ou tecido eram São Paulo, com 17.854 pacientes ativos, Minas Gerais, com 5.218, e Rio de Janeiro, com 3.723.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, as cirurgias de córnea e rim reúnem o maior número de pacientes na espera. Os transplantes renais são os que mais sofreram redução. No primeiro semestre deste ano, 5.312 pacientes ingressaram na fila de espera por uma doação de rim e nesse período foram realizados somente 2.035 transplantes.

Não se trata de um problema somente no Brasil. Estudo publicado neste mês pela revista científica The Lancet Public Health mostra que o total de transplantados no mundo caiu 16% no último ano, em consequência da pandemia. Já o Brasil teve redução de 29%, segundo a Lancet.

Segundo especialistas, uma das possíveis causas também foi o afastamento das pessoas das instituições hospitalares neste momento, pelo medo de contágio da Covid-19. A partir disso, a criação de vínculo entre familiares e equipe médica foi prejudicada, o que seria um fator importante na tomada de decisão.

Além disso, mitos e tabus que cercam o tema também dificultam a escolha pela doação. E com a pandemia, outras dúvidas acabaram surgindo. Uma delas é se uma pessoa que teve Covid pode ser doadora. De acordo com estudos médicos, não há relação entre a doença e a possibilidade de ser um doador.

É importante lembrar que nem todos os transplantes são da doação de uma pessoa falecida. Apesar de ser em menor frequência, também há casos do doador vivo, que pode ser qualquer pessoa que concorde com a doação desde que a saúde não seja prejudicada. Ele pode doar um dos rins, parte da medula óssea, parte do pulmão ou parte do fígado.

A ABTO acredita que as taxas de doações e transplantes devem aumentar no segundo semestre. A recuperação deve ocorrer por causa da diminuição da incidência, internação e letalidade da Covid. Tomara, afinal, a espera é angustiante.

A vida de quem aguarda na fila por um órgão está nas mãos de pessoas que acabaram de perder um ente querido. É uma situação muito difícil e complexa.

Contudo, se no meio de tanta tristeza houver espaço para lembrar que alguém necessita de um órgão, será um gesto lindo de solidariedade. O transplante é um renascimento e que depende de um gesto de amor.