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Editorial

O problema está mesmo é na raiz

Governo estadual lançou delegacia especializada em ocorrências de preconceito ou intolerância por diversidade sexual e de gênero

29 de Agosto de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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O governo estadual lançou na última quinta-feira a Delegacia da Diversidade Online (DDD Online), responsável pelo registro eletrônico de ocorrências de intolerância ou preconceito por diversidade sexual e de gênero e demais delitos dessas naturezas.

As vítimas poderão acessar a DDO Online em qualquer hora do dia e a partir de qualquer dispositivo eletrônico, sem que haja a necessidade de sair de casa. Após o registro, as ocorrências são direcionadas para investigação na unidade especializada da capital ou nas Divisões Especializadas de Investigações Criminais (Deics) regionais. A nova plataforma está sob a responsabilidade da Polícia Civil do Estado. De acordo com a determinação, as Deics do interior passam a investigar crimes relacionados a raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, orientação sexual ou identidade de gênero.

Na capital, as investigações serão feitas pela 2ª Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Raciais e de Delitos de Intolerância, do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), que agora passa a se chamar 2ª Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Raciais, contra a Diversidade Sexual e de Gênero e outros Delitos de Intolerância. A unidade terá a estrutura ampliada, com aumento do quadro de funcionários e recebimento de quatro novas viaturas descaracterizadas.

A inclusão dos crimes de intolerância em decorrência de identidade de gênero vai na linha da moderna doutrina de Direitos Humanos, além de dar cumprimento ao Plano Estadual de Enfrentamento à Homofobia e Promoção da Cidadania LGBT. A medida ainda traz efetividade à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que enquadrou as práticas homofóbicas e transfóbicas como racismo.

Até aí, OK. Por mais que pareça uma distinção haver delegacias especializadas em determinados tipos de crimes (afinal, não partimos do pressuposto de que todos são iguais perante a lei?), pode ser positivo o fato de tal preocupação. Quem critica essa distinção diz que delegacia é delegacia, crime é crime, independentemente se é praticado por fulano ou sicrano. Já os defensores da especialização argumentam que há demandas diferentes, tendo em vista que a sociedade já é pautada em desigualdade e segregação. Nesse sentido, se olharmos as estatísticas, é realmente necessário combater os crimes de diferentes particularidades. Dessa forma é possível se especializar nessas nuances que envolvem crimes de feminicídio, violência doméstica, abusos e discriminação. Ambos os lados estão corretos nessa discussão.

A questão é que o buraco do nosso sistema policial, penal e jurídico é mais embaixo. Não adianta ter delegacia especializada nisso ou naquilo se o sistema nasceu errado. Não adianta delegacia nova, na cor azul, amarelo, rosa ou laranja, se nossas leis são brandas. Não adianta prédio moderno se até as leis já brandas que temos não são cumpridas à risca. No Brasil, a polícia enxuga gelo, a verdade é essa. Não adianta a polícia prender se a Justiça muitas vezes é obrigada a soltar por conta da flexibilidade do Código Penal. Não adianta tudo isso se quem tem dinheiro contrata advogados que usam brechas jurídicas, recursos infinitos e outros mecanismos para deixarem os criminosos à solta.

Nem precisamos ir tão longe. Vejam os crimes de trânsito. Um sujeito, completamente e comprovadamente alcoolizado, atropela e mata uma família e simplesmente não acontece NADA. Os advogados conseguem enquadrá-lo como ato culposo e ele sai pela porta da frente da delegacia, rindo da nossa cara.

Se o sistema fosse perfeito, teoricamente não seria necessário distinções desse tipo. Conforme o próprio delegado geral da Polícia Civil do Estado, Ruy Ferraz, afirmou no lançamento desse novo projeto, há treinamento específico para esses casos e todos os policiais do Estado serão treinados e preparados para atendimento e investigação dos crimes de intolerância. Afinal, todas as vítimas merecem ser atendidas com dignidade e respeito.

Infelizmente, contudo, o problema da segurança no Brasil está na raiz. Na prática, essa delegacia da diversidade será mais uma que terá enormes dificuldades para punir os culpados como eles merecem. Enquanto não entendermos que é preciso mudar as leis e todo o sistema, não há delegacia disso, prédio novo daquilo, quantidade de funcionários e dinheiro investido que resolvam nosso péssimo sistema de segurança do País.