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Editorial

Mais uma derrota da Justiça

Em mais uma decisão polêmica, Gilmar Mendes trancou ação penal que investigava supostos crimes cometidos pelo senador José Serra

26 de Agosto de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Ao declarar Serra inocente, Gilmar atendeu a uma reclamação do advogado de defesa Sepúlveda Pertence
Ao declarar Serra inocente, Gilmar atendeu a uma reclamação do advogado de defesa Sepúlveda Pertence (Crédito: Edilson Rodrigues / Agência Senado (15/7/2015))

Fazendo jus a seu apelido de “soltador-geral” da República, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), colocou um ponto final, ontem, em uma ação penal na qual era investigado o senador licenciado José Serra (PSDB-SP). Na decisão, Gilmar também anulou a busca e apreensão que haviam sido feitas pela Polícia Federal, assim como as quebras de sigilos bancários e fiscal contra o político tucano. Aberta contra Serra e sua filha, Verônica Allende, a partir de investigações da extinta Operação Lava Jato, a ação investigava os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro por supostas irregularidades nas obras do Rodoanel, em São Paulo.

Ao declarar Serra inocente, Gilmar atendeu a uma reclamação do advogado de defesa Sepúlveda Pertence, ex-presidente do STF, sob o argumento de que a Lava Jato atropelou a competência da Justiça Eleitoral.

Em novembro, Gilmar Mendes entendeu que a competência para julgar o caso era da Justiça Eleitoral em São Paulo porque envolvia o suposto crime de falsidade ideológica. A Justiça Eleitoral, no entanto, entendeu que não seria mais possível punir Serra pelo suposto crime e declarou a extinção da punibilidade. A defesa do senador, então, acionou o STF e argumentou que a Lava Jato buscou incluir fatos sob análise da Justiça Eleitoral em uma outra apuração, sob responsabilidade da Justiça Federal. Os advogados argumentaram que a medida feriu o entendimento do Supremo sobre a competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar crimes conexos a crimes eleitorais. Gilmar Mendes concordou. Resumo da ópera: mais uma vez a justiça deixará de ser feita por formalidades técnicas, meandros jurídicos, conveniências e interesses.

Em julho de 2020, ao abrir a Operação Revoada, o Ministério Público Federal acusou Serra de receber R$ 27,5 milhões em propinas da Odebrecht, entre os anos de 2006 e 2010. Desse montante, seriam R$ 4,5 milhões entre 2006 e 2007, supostamente para uso na campanha ao governo de São Paulo; e R$ 23 milhões, entre 2009 e 2010, para beneficiar a empreiteira em contratos das obras do Rodoanel Sul e para liberar créditos da construtora junto à Dersa, ex-estatal paulista. A denúncia foi montada com base na delação de 10 executivos ligados à Andrade Gutierrez, OAS e à Odebrecht.

De acordo com os procuradores, o tucano usou seu cargo e influência política para receber as vantagens em troca da cessão de contratos bilionários de obras viárias. Nas planilhas do Setor de Operações Estruturadas da empreiteira, Serra ganhou o codinome “vizinho”, por morar próximo a seu principal contato na empresa, Pedro Novis. O então presidente da companhia, Marcelo Odebrecht, confirmou em seu depoimento que o apelido era uma referência a José Serra. Em mensagem interceptada pelos investigadores, Marcelo se refere a “vizinho” como possível futuro presidente da República, em atenção à então iminente candidatura do tucano.

O Ministério Público Federal apontou que a Odebrecht pagou propinas a Serra por meio do que os investigadores chamaram de “uma sofisticada rede de offshores no exterior”, em um suposto esquema de três camadas de lavagem.

José Serra, que tem 78 anos, foi eleito governador de São Paulo no pleito de 2006, tendo assumido e governo de 1º de janeiro de 2007 até abril de 2010, quando renunciou para concorrer à Presidência (não se elegeu). No pleito de 2018, foi eleito senador pelo Estado de São Paulo. Como tem mais de 70 anos, Serra não respondia por crimes atribuídos a ele até 2010, já que pela legislação brasileira o tempo para eventuais delitos prescreverem cai pela metade. Porém, respondia por supostos crimes de lavagem de dinheiro que ocorreram após essa data, e que, segundo o MPF, foram cometidos até 2014. Pela denúncia, a cadeia de transferência e ocultação do dinheiro ocorreu de 2006 a setembro de 2014 e foi controlada pela filha.

No fundo, trata-se de mais uma facada desferida por Gilmar contra a Lava Jato, operação que ele sempre criticou. Não é segredo o ódio mortal que Gilmar nutre pelo ex-juiz Sergio Moro.

Independentemente disso, o que a população brasileira tem a lamentar é que mais uma vez ficamos com a sensação de injustiça, de impunidade. Será que o grande problema da Justiça brasileira, principalmente nas instâncias superiores, é o excesso de provas? Os relatos dos delatores são minuciosos. É mais uma decisão que frustra os anseios da população de ver colarinhos brancos suspeitos serem investigados e cobrados.

No final das contas, fica o gosto amargo na boca de que o crime compensa no Brasil.