Editorial
Cura para a amnésia histórica de Sorocaba
As ferramentas para isso são a conscientização e a educação da população... e estão disponibilizadas gratuitamente, acessível a todos por meio da internet
A semana que está se encerrando foi marcada por notícias positivas para os sorocabanos em vários setores. No âmbito cultural, por exemplo, além do início da volta do público aos eventos -- evidentemente, ainda sob a égide dos protocolos sanitários para evitar a propagação da Covid-19 --, por ocasião das comemorações do 367º aniversário do município, o Cruzeiro do Sul registrou diversas iniciativas que permitem prever um futuro imediato bastante afirmativo.
Entre os destaques do noticiário aparecem as tratativas entre a Secretaria Municipal de Cultura (Secult) e o Gabinete de Leitura para desenvolvimento de projetos conjuntos, a renovação do Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico, Turístico e Paisagístico de Sorocaba (CMDP) e o lançamento da publicação “Conceitos de Patrimônio Cultural de Sorocaba”. Em formato de cartilha digital gratuita, esta última ação merece ser celebrada como um importante e efetivo passo no custoso caminho da preservação da memória de Sorocaba, tanto no que se refere ao patrimônio material -- prédios, paisagens e objetos, por exemplo -- quanto aos costumes e folclore, os chamados bens imateriais.
Embora seja um procedimento elementar, óbvio em qualquer estrutura social -- das nações às menores comunidades --, o resguardo do legado recebido dos ancestrais nem sempre mereceu, por parte dos gestores sorocabanos, a devida importância. Lamentavelmente, em diversos momentos da história local, essa herança foi relegada a planos secundários e submetida a interesses financeiros alheios à sagrada missão de transmiti-la aos filhos e netos.
A geração atual e as vindouras não terão a oportunidade de contemplar, por exemplo, a verdadeira origem da cidade, o casarão de Baltasar Fernandes, às margens do rio Sorocaba -- entre os jardins Sandra e Emília, onde fica atualmente o Parque da Biquinha. Da residência do desbravador da Terra Rasgada restaram apenas duas ou três fotografias. O mesmo aconteceu com os prédios originais da igreja e do convento de Santa Clara, construídos na esquina das ruas Santa Clara e São Bento pelo Frei Galvão, primeiro e único santo brasileiro. A poucos metros dali, no largo de Santo Antônio -- atual praça Nicolau Scarpa -- ficava uma das primeiras igrejas católicas da cidade, em invocação de Santo Antônio. Ambas as construções católicas foram demolidas para ceder lugar a edifícios particulares.
Igualmente, nada restou do tempo da Manchester Paulista. Máquinas, teares e demais equipamentos que movimentaram a economia local e garantiram o sustento de gerações de famílias sorocabanas durante décadas se converteram em ferrugem, oxidando também as reminiscências do que é hoje Sorocaba. Curiosamente, nenhum dos projetos que pretendiam instituir um museu da indústria local conseguiu sair do papel.
Danos como esses são imensuráveis. Evidentemente, nada pode ser feito para repará-los. A boa notícia é a possibilidade de brecar o perverso processo de amnésia coletiva. As ferramentas para isso são a conscientização e a educação da população. E estão disponibilizadas gratuitamente, acessível a todos por meio da internet, na cartilha digital “Conceitos de Patrimônio Cultural de Sorocaba”. O material produzido pela Secult reúne os conceitos básicos relacionados à preservação, com o intuito de incentivar ações de salvaguarda do patrimônio cultural da cidade. A iniciativa inédita contém todos os subsídios para que a população entenda e valorize adequadamente a cultura local. De posse dos conhecimentos, cada um dos sorocabanos pode passar a atuar efetivamente na preservação da memória do município, incluindo a cobrança de atitudes dos poderes Executivo e Legislativo e a fiscalização da iniciativa privada.
Em mais de 90 páginas, o material reúne tudo o que é preciso saber sobre patrimônio cultural, como conceitos básicos, bens materiais e imateriais, instrumentos de preservação, prédios já tombados nas instâncias municipal e estadual e as responsabilidades de cada um na preservação da riqueza coletiva. Entretanto, a cartilha é apenas um instrumento. Ela só terá eficiência prática se a comunidade absorver e aplicar seus ensinamentos. Em outras palavras: a continuidade da missão depende agora das escolas, das empresas, das entidades e da população em geral fazerem a sua parte. É preciso baixar a cartilha -- disponível em https://cultura.sorocaba.sp.gov.br/ -- estudá-la e colocá-la em prática efetivamente no dia a dia.