Editorial
Uma prisão que causa apreensão
Criticada pela PGR, polêmica prisão de Roberto Jefferson causa mais dúvidas do que certezas
O Brasil não é para amadores. Após as acirradas discussões sobre o voto impresso que resultaram em semanas acaloradas e só terminaram com a votação no plenário da Câmara, tudo indicava que o País teria dias mais amenos pela frente. Que nada! Na quinta, em mais uma decisão no mínimo polêmica, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decretou a prisão de Roberto Jefferson, ex-deputado federal e presidente do PTB.
Conforme o despacho de Moraes, a prisão preventiva foi autorizada no âmbito do inquérito da Polícia Federal que investiga a prática e disseminação de discursos antidemocráticos. Na decisão, ele ainda determinou a apreensão de armas e munições de propriedade do ex-deputado, bem como computadores, tablets, celulares e outros dispositivos eletrônicos. O ministro do STF autorizou ainda o acesso a mídias de armazenamento, incluindo celulares, HDs, pendrives e conteúdos guardados “em nuvem”, e mandou apreender ou copiar arquivos com conteúdos considerados suspeitos. Também determinou o bloqueio das contas em redes sociais. Preso em casa, Jefferson foi encaminhado ao Presídio José Frederico Marques, no Rio de Janeiro.
Roberto Jefferson é figurinha carimbada. Político astuto, conhece bem o jogo do poder. Já esteve envolvido em inúmeras polêmicas. Em 2012, foi condenado a sete anos e 14 dias de prisão pelo STF, além de multa de R$ 740 mil, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no mensalão. Ficou preso um ano e três meses somente. Se há algum erro é o fato de ele não ter ficado preso o período da condenação. Mas mandar prendê-lo agora, por críticas ao STF, é um ato temerário e que merece reflexão.
Jefferson vem, há tempos, batendo no Supremo. Suas críticas são duras, muitas vezes acima do tom. Mas entre críticas duras e prisão há um longo caminho. Sem entrar no mérito se a decretação de prisão é justa ou não, é preciso tentar entender algumas coisas. Qual é a fronteira entre o direito de opinião e atentado à democracia? Quem determina isso? Um único juiz? Não seria o caso de assuntos delicados assim serem, ao menos, decididos pelo plenário do STF? Quem decide o que é defesa da democracia e o que é censura?
A decisão é tão polêmica que o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou contra a prisão do presidente do PTB, por entender que ela representa uma censura prévia à liberdade de expressão, o que é vedado pela Constituição. E aí, mais um problema. Ao saber da crítica de Aras, Moraes rebateu, dizendo que, até a decretação da prisão, não havia ocorrido manifestação da PGR. Porém, a posição do ministro, em fixar um prazo de 24 horas para a PGR se manifestar, causou indignação no procurador. Ou seja, uma lambança completa.
Tudo o que o Brasil não precisa nesse momento é um acirramento, essa tensão permanente entre os poderes. Mas em vez de usarem o bom senso, partem para a disputa de quem pode mais, como se fossem crianças mimadas. Em vez do equilíbrio, contribuem para mais desequilíbrio entre os poderes da República.
E o que dizer do STF? É aquela velha história de que a gente colhe o que planta. Infelizmente, é isso o que acontece com a principal corte do País. O Supremo vem colhendo o que plantou. Formado por indicações muito mais políticas do que técnicas, tornou-se um colegiado disforme, tanto em formação e capacidade, como em interesses. Ao longo dos anos, pintou e bordou com decisões questionáveis. Liberou condenados, fez vista grossa aos criminosos poderosos, mandou prender e soltar ao bel prazer, sem critérios claros, sem unidade, sem legitimação.
Nos últimos anos esse estado de coisas ficou escancarado nas divisões sobre a prisão em segunda instância e, principalmente, em relação à Lava Jato. Com inveja dos holofotes no então juiz Sergio Moro, que se destacou no combate à corrupção, alguns membros do STF fizeram de tudo para prejudicar a operação. E, em vez de buscar resolver logo a situação para o bem do País, fosse a favor desse ou daquele, o STF preferiu dar corda, deixando a situação correr por longos cinco anos, para então agir. E quando agiu, o fez baseado em provas obtidas de forma ilegal. Por essas e outras, não podem reclamar da insatisfação popular com o tribunal. Queriam o quê? Afinal, quando é que provas ilegítimas valem e quando não valem?
E que fique claro. Não se trata, em absoluto, de questionar a existência do STF. Ruim com ele, pior sem ele. Mas mais moderação e bom senso a todos não faria mal a ninguém.
Enfim, não há certos nesse imbróglio em que se transformou o País. Só errados. Parecem crianças fazendo beiço e provocando uns aos outros. Enquanto isso a população fica sofrendo no meio dessa polarização que só contribui para alimentar os conflitos.