Editorial
Torneira seca é um problema de todos
A contínua e acelerada redução do volume de água em Itupararanga vem sendo alimentada pelas tímidas ações das autoridades e pela inconsciência dos consumidores
Apesar dos milênios de evolução tecnológica da humanidade, ainda somos incapazes de fazer chover. Isso significa que -- exatamente como acontecia com os nossos ancestrais das cavernas -- continuamos dependendo da mãe natureza para garantir a água nossa de cada dia. Da mesma forma, também não aprendemos a sobreviver sem o convenientemente chamado “precioso líquido”. Assim, a nossa existência se mantém condicionada à preservação das reservas hídricas disponíveis e ao uso racional que fazemos delas.
A atual crise vivenciada em grande parte do Brasil, por conta de um dos períodos de estiagem mais drásticos das últimas décadas, nos faz voltar a refletir sobre esse tema elementar, mas que vai e volta ao sabor da variação dos níveis pluviométricos. Quando a chuva não vem como deveria e os mananciais escancaram as suas entranhas rachadas -- semelhante às celebres paisagens nordestinas --, as preocupações afloram. O fantasma das torneiras secas e das contas de luz mais pesadas trazem à tona a preocupação, provocam debates, patrocinam projetos. Porém, basta as nuvens cumulonimbus apontarem no céu, para nos esquecermos da tragédia iminente e retomamos à “normalidade”, geralmente regada a consumo despreocupado -- quando não a desperdício.
Momentos como esse que estamos atravessando são extremamente traumáticos para Sorocaba e demais municípios que dependem diretamente da represa de Itupararanga -- apesar de alguns mananciais coadjuvantes -- para garantir o abastecimento das suas populações. A drástica, contínua e acelerada redução do volume útil de água do reservatório vem sendo alimentada pelas tímidas ações -- de fato, uma quase inatividade -- da parte das autoridades, acompanhada da inconsciência dos consumidores. Na edição deste sábado (7), o Cruzeiro do Sul confirmou com cifras oficiais a exata dimensão do problema detectado a olhos vistos há tempos. Pelos cálculos do Comitê da Bacia Hidrográfica de Sorocaba e Médio Tietê, a massa de líquido útil caiu a 29,60% na sexta-feira (6). Vale lembrar que há pouco mais de três anos -- no dia 11 de julho de 2018 --, quando o nível atingia 45,9%, o sinal amarelo já estava mudando para o vermelho e uma campanha de advertência e orientação chegava ao público.
Em 2019, Sorocaba enfrentou o primeiro rodízio de abastecimento de água em quase um século de existência do serviço público. A situação se repetiu no ano passado. Lamentavelmente, o baixo nível pluviométrico não se apresenta mais ameno agora. Em 2020, as estações medidoras do município registraram 955,8 milímetros de chuva, o que deu a média mensal de 79 milímetros. O volume acumulado nos primeiros sete meses de 2021 está pouco abaixo dos 350 milímetros. Ou seja, a média caiu ainda mais, para cerca de 50 milímetros por mês. Somando-se as sucessivas estiagens sem as recuperações proporcionais, o resultado é o dilema atual: nível de água a 1,28 metro da cota de volume morto (818,78 m de 817,5 m). Medido em comparação ao nível do mar, o volume morto representa a cota abaixo da qual toda a água deve ser destinada exclusivamente ao consumo humano. Caso não chova nas próximas semanas, esse limite será alcançado já no mês de setembro, ao invés de outubro, como previsto inicialmente.
Enfatizado insistentemente pelo Cruzeiro do Sul desde o final do verão, o alerta para a necessidade de uma redução significativa no consumo de água -- passando por campanhas oficiais de esclarecimento ao público -- tem o reforço do Grupo Especial de Proteção ao Meio Ambiente (Gaema) do Ministério Público, por meio do promotor público Antonio Domingues Farto Neto. Além de escrever um artigo esclarecedor -- publicado na última quarta-feira (4) --, ele vem monitorando de perto a situação de Itupararanga e conversado sobre o problema com os prefeitos da região e com a Votorantim Energia. Embora descarte qualquer medida judicial neste momento, o promotor deixa claro que o Estado está atento à situação e não deixará de cumprir o seu papel.
Independentemente de quaisquer orientações e exigências das autoridades, os dados -- e o bom senso -- nos dizem que economizar e reciclar água é a única forma de evitar rodízios e até situações mais drásticas em um futuro bastante próximo.