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Editorial

São vândalos, não manifestantes

Leis permissivas e frágeis engessam o Judiciário na hora de se fazer justiça e dar exemplo

28 de Julho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Incêndio na estátua do Borba Gato, ocorrido no dia 24 de Julho, em São Paulo.
Incêndio na estátua do Borba Gato, ocorrido no dia 24 de Julho, em São Paulo. (Crédito: Reprodução / Twitter )

Um ato de vandalismo ocorrido em São Paulo é mais uma prova do buraco em que o Brasil se meteu ao longo dos últimos tempos. Ou, pensando bem, muito provavelmente desde 1500.

Na tarde do último sábado, cerca de 15 pessoas incendiaram a estátua de Borba Gato, na zona sul da capital paulista. Eles colocaram pneus na base da imagem e atearam fogo. Toda a ação, feita por um grupo intitulado Revolução Periférica, foi filmada pelos próprios autores para ser compartilhada nas redes sociais como troféu do que, na visão deles, é um “ato simbólico”.

Infelizmente, alguns veículos de comunicação embarcaram nesse engodo e trataram os vândalos como “manifestantes”. Não é o caso. Manifestante tem todo o direito de se manifestar, sim, mas não de destruir patrimônio público a seu bel prazer. E foi isso o que aconteceu. Desde quando depredar patrimônio público escondido atrás de máscaras é o meio de exigir um país decente?

Não é a primeira vez que tal monumento é alvo de depredação. Em 2016, a estátua foi pichada com tintas coloridas -- sobretudo vermelho, numa suposta referência a sangue -- por um grupo formado por ativistas e indígenas que pediam a retirada da estátua.

Isso porque Manuel de Borba Gato foi um bandeirante paulista acusado, segundo livros e historiadores, de matar, escravizar e traficar negros e indígenas durante o período colonial do Brasil, entre os séculos 16 e 17.

Inaugurada em 1963, a estátua que o homenageia é obra do escultor Julio Guerra (1912-2001) e virou alvo de controvérsias nas últimas décadas pelo histórico de Borba Gato. Bem, não é necessário ser nenhum mestre em História para saber que o bandeirante provavelmente cometeu tais atrocidades. Contudo, é preciso levar em consideração a perspectiva histórica.

Não se pode julgar o passado com os olhos do presente. Em um determinado momento da história, Borba Gato representava o progresso e a exploração do interior do País, um território a ser desbravado. Ou seja, naquele momento aquilo parecia ser o correto. Evidentemente hoje em dia não dá para pensar assim. Porém, não é ateando fogo e provocando baderna que vamos mudar esse quadro.

Não se trata de defender ou condenar Borba Gato ou quem quer que seja. Trata-se, inicialmente, de uma questão de manutenção da ordem social. O que será do País se cada um decidir colocar fogo naquilo que não lhe agrada ou com a qual não concorda?

Quem age como vândalo é tão autoritário e violento como aquele que é alvo do protesto. Democracia significa diálogo, equilíbrio, jamais baderna. É absolutamente legítimo querer protestar e se posicionar. Mas isso precisa ser feito pelas vias legais. Não querem a estátua? Ótimo, então que usem o caminho da lei para tentar retirá-la ou fazer alguma mudança.

Em 2020, por exemplo, foi protocolado um projeto de lei na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) proibindo homenagens a escravocratas e a eventos históricos ligados à prática escravista. O PL está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR). Revisar a história é algo natural, que pode ser saudável e importante. Porém, precisa ser feito dentro dos parâmetros da ordem.

Se o objetivo é rediscutir alguns símbolos que podem ser considerados inapropriados, é preciso haver um mínimo de união e tolerância para encaminhar esses temas. Que se façam comissões com urbanistas, arquitetos, historiadores e museólogos a fim de encontrar saídas e caminhos para algumas situações -- e isso com aprovação legal.

É preciso haver conversa, discussão e, se necessário for, votação na esfera correspondente, sobre um plano para tais monumentos. Que podem ser desde simples legendas até eventuais deslocamentos das obras para outros espaços.

E falando sobre leis, após o vandalismo contra o monumento, veio a segunda parte da tragicomédia chamada Brasil. No domingo, a polícia localizou e prendeu um suspeito de envolvimento no episódio. O indivíduo foi detido e sabem o que aconteceu? Absolutamente NADA! Em cerca de 24 horas ele foi colocado em liberdade por ordem da Justiça.

É mais um exemplo -- dos milhares que vemos dia após dia -- de como nossas leis são permissivas e não funcionam. Por isso que a frase “no Brasil o crime compensa” tornou-se um mantra de nossa sociedade. Temos uma Justiça sem justiça. As leis engessam o sistema jurídico e beneficiam os infratores. Seria preciso uma revisão completa para recolocar o País nos eixos. Enfim, há muito a ser consertado. E não será colocando fogo nas coisas que vamos conseguir fazer isso.