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Editorial

Estatuto bom, mas que pode melhorar

Estatuto da Criança e Adolescente completou 31 anos de avanços importantes. Mas ainda há longo caminho a ser percorrido

15 de Julho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
ECA reconheceu, pioneiramente, a criança e o adolescente como sujeitos de direitos.
ECA reconheceu, pioneiramente, a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. (Crédito: AGÊNCIA BRASIL)

Assinado em 13 de julho de 1990 pelo então presidente Fernando Collor de Mello, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou, anteontem, 31 anos de vida. Tendo como princípio fundamental a proteção das crianças e adolescentes, sua implementação foi um marco na sociedade brasileira.

Do ponto de vista legal, o ECA garante ao seu público-alvo uma série de direitos. Tem início com o direito à vida e segue com direito à saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, proteção ao trabalho, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar. Além disso, o estatuto também determina que todos os agentes como família, sociedade e poder público devem zelar por esses valores.

Evidentemente que o ECA não conseguiu resolver todos os problemas, mas não há dúvidas de que houve avanços nesse tema. Como exemplos claros podemos citar a queda de mortalidade infantil em ritmo mais acelerado do que o restante do mundo, crescimento do número de registros civis, aumento de matrículas nas escolas e diminuição do trabalho infantil, entre outros.

Isso só foi possível pois o estatuto ajudou na criação de uma infraestrutura específica que até então não existia, com reformulação de sistemas de saúde, segurança, trabalho e educação. A começar pela ampliação dos direitos das mães dessas crianças e adolescentes. Por conta do ECA, elas passaram a ter mais assistência, principalmente em relação à alimentação, saúde e cuidados, além de direitos trabalhistas e previdenciários.

São muitos exemplos de melhorias. Um deles foi o reordenamento e a regulamentação da prática de acolhimento. Após estudos e pesquisas sobre atendimento socioeducativo, os enormes abrigos onde costumavam viver mais de 1,5 mil crianças e jovens foram substituídos por casas menores, com capacidade para cerca de 20 crianças, tornando mais fácil o acompanhamento e a fiscalização.

Outro marco ocorreu na área de adoção. Por diversos motivos, havia mais adoções internacionais do que nacionais, feitas no Brasil. Isso criou uma espécie de “mercado internacional de adoção”, que estava sujeito a mais distorções, falhas e ilegalidades, já que não era possível fazer um monitoramento. Isso mudou. Atualmente a adoção internacional ocorre somente em casos excepcionais. É óbvio que a adoção nacional ainda carece de melhorias e aprimoramentos, sobretudo para acelerar e dinamizar os processos, mas ao menos a saída indiscriminada de menores para o exterior foi estancada.

Apesar de tudo isso, alguns problemas persistem, como 2,4 milhões de crianças e adolescentes com menos de 14 anos trabalhando, e 1,7 milhão fora da escola. Essas questões se somam a outras dificuldades, especialmente quanto à violência.

E um novo desafio foi trazido pela pandemia. Se do ponto de vista clínico as crianças e adolescentes estão na faixa menos atingida pelo coronavírus, nas questões sócio-econômicas há uma série de riscos. O principal deles é o agravamento da vulnerabilidade social desses jovens. Todos estão sendo afetados pelos impactos econômicos, ainda mais pelo fato de que a pobreza atinge mais as crianças do que o restante da população.

Na área da educação, por exemplo, pode haver grandes deficiências. O direito de aprendizagem ficou muito comprometido nesse período. Em tempos de pandemia, uma das maiores preocupações é o risco de evasão escolar -- algo que já vem acontecendo. Por conta das restrições impostas pelos planos de combate ao novo coronavírus, muitas crianças e adolescentes ficaram longos períodos longe das escolas e instituições de ensino. O efeito disso é que uma parcela dos jovens está se desvinculando do ambiente escolar. E isso acarreta outras consequências como aumento da violência doméstica e mais trabalho infantil.

Enfim, ao completar mais de três décadas de vida, o ECA deve ser saudado como algo positivo para o País, mas que precisa seguir se atualizando, se aprimorando e fortalecendo suas bases e fundações para que não haja risco de retrocesso. E para avançar em novas frentes. Trata-se de uma obrigação das famílias, da sociedade e do Estado.