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Editorial

Cubanos, enfim, podem ser ouvidos

Manifestação espontânea que tomou as ruas de Havana e de outras cidades do país caribenho coloca em xeque o autoritário regime cubano

13 de Julho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Manifestantes ocupam as ruas de Cuba e gritam palavras de ordem.
Manifestantes ocupam as ruas de Cuba e gritam palavras de ordem. (Crédito: ADALBERTO ROQUE / AFP)

O final de semana não foi nada fácil para aquela turma que costuma assinar manifesto defendendo regime autoritário em ilha caribenha na qual controlam a imprensa e censuram quem pensa de forma diferente. Também não foi fácil para certos políticos brasileiros e partidos que endeusam e nutrem um fetiche por determinados países. À distância, confortavelmente instalados em suas residências e com toda a liberdade de expressão que o Brasil felizmente permite, nossos “comunistas de sofá” acompanharam os protestos que tomaram as ruas de muitas cidades de... Cuba!

Sim, quem diria! Considerada por alguns artistas e “intelectuais” tupiniquins como “exemplo a ser seguido”, a ilha caribenha teve manifestações de grandes proporções no domingo. São os maiores protestos espontâneos já vistos nos últimos 27 anos, algo incomum por lá, já que até então qualquer concentração de pessoas precisava ser autorizada pelo Partido Comunista.

Além da renúncia do presidente Miguel Díaz-Canel, os manifestantes pediam também -- pasmem -- liberdade. Eles entoavam coros contra o regime com gritos de “abaixo a ditadura”. Seria cômico se não fosse trágico. Os protestos acontecem em meio a uma das piores crises econômicas enfrentadas por Cuba desde que a União Soviética deixou de existir, 30 anos atrás. Após isso, a Rússia, de Vladimir Putin, e a China até que ajudaram bastante o regime, mas nada como nos tempos da Cortina de Ferro.

Outro problema é que os cubanos também enfrentam uma forte escalada da pandemia do novo coronavírus, com alta de internações e mortes. Com o sistema de saúde à beira de um colapso, os casos seguem se alastrando de forma assustadora, com taxa de 1.300 infectados para cada 100 mil habitantes. E detalhe: isso segundo os dados oficiais, sem levar em consideração as inúmeras denúncias de subnotificação. Faltam medicamentos, alimentos e produtos básicos.

Para piorar, por conta da pandemia, o turismo -- uma das principais fontes econômicas de Cuba -- despencou. A crise é tão severa que moradores têm relatado até cortes de eletricidade, diante da falta de recursos.

O resultado é que os cubanos foram às ruas. Na capital Havana o centro histórico foi tomado. Os manifestantes deixaram claro a insatisfação, principalmente com relação às limitações de liberdades civis no país. Durante décadas e até recentemente o país foi controlado a ferro e fogo pela família Castro -- primeiramente pelo revolucionário Fidel e depois por seu irmão Raúl.

Nos dias atuais de mundo digital, ficou mais difícil para os comandantes cubanos varrerem para debaixo do tapete toda a indignação do povo. Em três anos no comando da ilha, Díaz-Canel teve de abrir o acesso à internet sem o qual não seria possível qualquer desenvolvimento. Com isso, os protestos ganharam força nas redes sociais.

Miguel Díaz-Canel, que também comanda o Partido Comunista, atribuiu os tumultos aos Estados Unidos. Claro, né, a culpa sempre é dos outros! Segundo ele, as campanhas nas redes sociais são orquestradas e manipuladas pelos americanos. Díaz-Canel lançou a velha ladainha de que os “ianques” querem desestabilizar o país.

Cá entre nós, podem ter certeza de que os EUA têm preocupações maiores do que essa neste momento. Em atitude típica dos guerrilheiros que comandaram Cuba por longo período, o presidente convocou a população a uma reação para “defender a Revolução Cubana da ação de mercenários e contrarrevolucionários”. Toda essa retórica fantasiosa foi em vão. Como o falatório não surtiu efeito, ele pediu aos apoiadores para confrontarem os manifestantes, numa clara ameaça à ordem e ao direito do povo de protestar.

Pelo visto, após décadas de repressão, sofrimento econômico e privação de liberdade, os cubanos finalmente estão podendo falar as verdades sobre o regime autoritário do país. Ao que tudo indica, o medo de ir para o paredão -- prática corriqueira contra os detratores de Fidel & cia em tempos não muito distantes -- acabou. O povo está indo às ruas pedir não apenas melhorias, mas sobretudo liberdade.