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Editorial

Um bloco na corda bamba

Após iniciativa do Uruguai de fazer acordos comerciais fora do bloco, Mercosul sofre novo revés, segue dividido e futuro da aliança é incerto

09 de Julho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Crédito da foto: Divulgação
Crédito da foto: Divulgação (Crédito: Crédito da foto: Divulgação )

Aquele antigo ditado “não há nada tão ruim que não possa piorar” pode ser aplicado ao atual momento do Mercosul. Fundado em 1991, com a assinatura do Tratado de Assunção, o Mercado Comum do Sul nasceu como uma aliança comercial que visava dinamizar a economia regional, movimentando entre si mercadorias, pessoas, força de trabalho e capitais.

Trinta anos depois, o grupo segue muito aquém do idealizado. Atualmente, é uma integração econômica que estabelece união aduaneira entre os países participantes -- Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai (pois a Venezuela encontra-se suspensa) -- com livre comércio e política comercial comum (cobra-se a mesma taxa de importações entre países terceiros e tarifa zero entre os membros).

Essa aliança econômica sofreu mais um revés anteontem quando, justamente na véspera da cúpula de presidentes do Mercosul, o governo do Uruguai surpreendeu ao anunciar, em reunião de ministros das Relações Exteriores, sua decisão de iniciar negociações de acordos comerciais com países de fora do bloco. Isso fere, na visão dos governos da Argentina e do Paraguai, uma das regras fundamentais do grupo: a exigência de consenso. Até então, o entendimento era o de que acordos comerciais só poderiam ser negociados em conjunto pelos quatro membros.

O argumento do Uruguai é o de que a resolução que determina esse consenso nunca foi internalizada pelos membros do Mercosul e não estaria em vigência.

A iniciativa uruguaia causa, assim, mais uma rachadura nessa aliança que já vem sofrendo seguidos baques. São duas as questões essenciais da agenda atual que têm causado discórdia entre os membros: reforma da Tarifa Externa Comum (TEC, que taxa produtos de fora do bloco) e flexibilização da dinâmica de negociação com outros países e blocos comerciais.

Há meses, os governos do Brasil -- alinhado com o uruguaio -- e da Argentina discutem reformas para flexibilizar o Mercosul, com destaque para a TEC. A favor de uma modernização, o Brasil defende uma redução linear de 10% da tarifa (hoje, em média, de 11,7%) de forma imediata, e um segundo corte de 10% no final do ano. Já a Argentina, que inicialmente não aceitava falar em corte de tarifas por conta da grave recessão que atravessa, aceitou, enfim, uma redução inicial de 10%. O problema é que, para ela, essa diminuição não seria sobre todos os produtos, deixando fora da regra 25% dos bens tarifários.

A resistência em modificar a tarifa externa não é apenas da Argentina, mas também de setores industriais internos do Brasil, que não querem facilitar a importação de produtos concorrentes, embora isso possa ajudar a reduzir a inflação, como deseja o ministro Paulo Guedes e sua equipe da área econômica.

Portanto, três décadas após a assinatura do Tratado de Assunção, os quatro sócios estão mergulhados numa crise sem precedentes e de desfecho incerto. De um lado, Brasil e Uruguai querendo mais flexibilidade, mudanças de tarifas e autonomia. De outro, Argentina e Paraguai defendendo o oposto.

Em 30 anos, a economia global mudou. É necessário se atualizar, se ajustar aos novos tempos. Do modo como foi concebido, o Mercosul, em certa medida, isola os países membros deixando-os de fora das grandes cadeias globais. Por outro lado, há que se respeitar os resultados econômicos que a aliança representa para o Brasil. Nos últimos 10 anos, por exemplo, o superávit no comércio com os países do bloco atingiu a ordem de US$ 54,9 bilhões. Ou seja, uma integração que dá excelentes resultados. No primeiro semestre de 2021, as exportações brasileiras para a região cresceram 46% em relação ao mesmo período de 2020.

Portanto, é evidente que o Mercosul precisa de ajustes e aperfeiçoamento. O ideal é que os países encontrem uma forma de manter a aliança forte, mas com espaço para acomodar, por meio de regras extras e exceções, os interesses e as diferenças de cada uma das economias do bloco. É fácil encontrar esse ponto de equilíbrio? Certamente que não. Trata-se de um jogo de xadrez que envolve economia e política. Porém será fundamental a busca por uma saída. Do contrário, essa novela poderá ter um final triste para todos os envolvidos.