Buscar no Cruzeiro

Buscar

Editorial

Mais uma vitória da impunidade

Ao aprovar Projeto de Lei Complementar, Câmara dos Deputados flexibiliza a Lei da Ficha Limpa, facilitando a participação de fichas sujas nas eleições: vergonha!

30 de Junho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Deputados flexibilizam lei do Ficha Limpa
Deputados flexibilizam lei do Ficha Limpa (Crédito: PABLO VALADARES / CÂMARA DOS DEPUTADOS)

Na árdua guerra para tentar melhorar o Brasil, as pessoas honestas deste País perderam mais uma batalha. Dessa vez, por 345 votos a 98, e quatro abstenções, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na última quinta-feira (24), um Projeto de Lei Complementar (PLP) que flexibiliza a Lei da Inelegibilidade e Ficha Limpa.

O projeto -- por incrível que pareça -- garante ao gestor público o direito de se candidatar mesmo que ele tenha tido suas contas julgadas irregulares, mas tenha sido punido apenas com multa. Hoje em dia, a punição para esse tipo de caso de contas rejeitadas é de inelegibilidade por oito anos.

O texto precisa passar pelo Senado Federal e pela sanção presidencial até outubro para valer para as próximas eleições.

Puramente eleitoreiro, visando o pleito de 2022, esse PLP é mais uma afronta contra o bem da população. Na prática, significa afrouxar as leis e medidas contra políticos que tenham praticado malfeitos, já que não exige a prestação de contas da forma correta e legal.

Originalmente, a Lei da Ficha Limpa determina que são inelegíveis os políticos que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.

O projeto não põe fim a toda a Ficha Limpa, claro, mas afrouxa a inelegibilidade ao dizer que a lei não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares, sem imputação de débito, e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa.

Isso representa um enorme retrocesso para o sistema político-eleitoral pois limita sobremaneira as punições e facilita a prática de corrupção. Se aprovado, tal projeto servirá somente para espalhar ainda mais impunidade -- como se isso ainda fosse possível. A bizarrice é tamanha que em nenhuma jurisprudência eleitoral existe algo assim.

Atualmente, a prestação de contas de campanha é exigida de todos os candidatos que participarem de eleições e deve ser apresentada até um mês depois dos pleitos. Com a prestação, é possível verificar a regularidade na arrecadação e aplicação dos recursos de campanha feitos ao longo do período eleitoral. A partir disso, a Justiça Eleitoral pode decidir pela aprovação, pela aprovação com ressalvas, pela desaprovação ou registrar a não prestação das contas.

Como costuma acontecer no Brasil em situações semelhantes, praticamente não houve discussão sobre o texto, nem mesmo com especialistas no tema. Foi tudo feito de forma apressada, sorrateira. Após a estocada no coração da Operação Lava Jato, é mais um episódio da escalada contra a moralização da política brasileira. Se o objetivo é deixar os bandidos corruptos livres, leves e soltos, então o plano está funcionando a todo vapor.

Primeiramente, como que num passe de mágica, muitos malfeitores se tornaram elegíveis por conta de decisões jurídicas absolutamente questionáveis. Agora, os fichas sujas da República festejam essa rasteira na Ficha Limpa. Estão todos comemorando mais uma vitória da impunidade. Resta torcermos para o Senado e o presidente da República brecarem essa aberração, não sancionando o absurdo.

A possibilidade da volta de todos esses fichas sujas às eleições é fruto de um sistema jurisdicional frouxo, no qual as penas não são eficazes. A população fica em um misto de indignação e desesperança, e os bandidos seguem praticando malfeitos. Enquanto a parte honesta da população lamenta mais esse golpe, a principal lei brasileira segue firme e forte: a impunidade.