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Editorial

Crise da energia exige uma solução definitiva

Embora os prognósticos mais inquietantes, caso não chova o suficiente, sejam para o ano que vem, as consequências da redução da oferta de energia já podem ser sentidas

27 de Junho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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A nova crise energética que neste exato momento bate às portas de todos os brasileiros é uma demonstração clara de que as nossas instituições continuam empurrando com a barriga as questões relacionadas a um setor tão crucial para o País. Lamentavelmente, os periódicos sinais de alerta emitidos pelo sistema não produzem as reações equivalentes, os erros se repetem e a lição de casa se mantém incompleta. O tema volta à baila a cada ameaça de colapso, geralmente nos períodos de estiagem prolongada -- já que 90% da matriz nacional são de origem hídrica --, reeditando o costumeiro jogo de empurra entre governos e oposições, suscitando acusações recíprocas e gerando projetos que nunca saem do papel. A contabilidade dessa histórica inconsequência oficial, no entanto, apresenta sempre o mesmo saldo: aumento do preço do quilowatt e, não raramente, os indigestos apagões. A conta, evidentemente, é paga pela sociedade, rateada entre os setores produtivos e os trabalhadores.

Uma rápida consulta ao acervo digital do jornal Cruzeiro do Sul é suficiente para comprovar a inabilidade governamental na missão de equilibrar a equação que envolve geração de energia, demanda e custo. Nas primeiras seis décadas do século passado, era comum cidades inteiras -- inclusive capitais -- ficarem às escuras durante dias por conta de quedas nas gerações. Até aquela fase, o baixo nível tecnológico e as características dos sistemas de transmissão serviam, até certo ponto, como desculpa. Porém, as dificuldades resistiram ao tempo. No dia 26 de junho de 1964, a manchete do jornal alertava para um possível colapso energético em consequência da falta de chuvas. Conforme a reportagem, a maioria das hidrelétricas brasileiras operava muito abaixo da capacidade. O nível da represa de Itupararanga, por exemplo, estava em 12,3% da média -- reduzindo a vazão da barragem de 10 metros cúbicos por segundo para apenas 2,76 metros cúbicos por segundo --, obrigando à paralisação de três das quatro turbinas geradoras de energia. Mais graves ainda foram o chamado apagão geral registrado em 2001 e a crise de 2015-2016. Novamente, a culpa foi atribuída à natureza, que deixou de prover as bacias hidrográficas da quantidade necessária de chuvas para rodar a quantidade ideal de turbinas.

A situação se repete neste 2021. O baixo índice pluviométrico registrado desde o outono/verão anterior fez o Operador Nacional do Sistema (ONS) colocar todo o País em estado de alerta. Conforme o relatório de quarta-feira (23) do órgão responsável pela coordenação e controle da operação do sistema elétrico, a situação atual é uma das mais preocupantes das últimas décadas. Isso porque atinge justamente os reservatórios das usinas hidrelétricas do subsistema Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO), responsável por 70,1% do total da reserva energética brasileira. Os níveis de reservação caíram, em média, para abaixo do patamar de 30% que mantinham desde o início do mês, chegando a 29,8%. Como a expectativa é que o problema se agrave até novembro, quando começa o próximo período chuvoso, será difícil escapar de um racionamento em 2022.

Embora os prognósticos mais inquietantes, caso não chova o suficiente, sejam para o ano que vem, as consequências da redução da oferta de energia já podem ser sentidas. No âmbito da macroeconomia, o Banco Central refaz cenários para definição da taxa básica de juros. De um lado, a inflação vai ficar pressionada com o aumento na taxa extra embutida na conta de luz, após reajuste na bandeira vermelha ainda a ser definido, com reflexos para o ano que vem. Por outro lado, a perspectiva de a bandeira vermelha nível 2, hoje em R$ 6,24 a cada 100 quilowatts-hora (kWh), ser reajustada para além de R$ 7,57 por 100 kWh pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) -- fora do radar da instituição até meados de maio --, agora é dada como medida indispensável.

Com o sinal amarelo em vias de mudar para vermelho, voltam a ganhar força as discussões sobre a necessidade de diversificar a matriz energética brasileira, as vantagens da redução da dependência das hidrelétricas e a modernização das termelétricas. O momento, no entanto, exige planejamento e ações práticas. Não há mais tempo a perder. Um programa de incentivo às usinas fotovoltaicas, aos parques de geração eólica e aos geradores movidos a biomassa precisa ser encarado como prioridade. É isso ou apagão geral!