Editorial
É pouca vacina para muita gente
Diretor da OMS alerta que distribuição mundial da vacina contra a Covid é desigual e perpetua a pandemia
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, tocou em um ponto delicado da pandemia durante a abertura da Assembleia Global de Saúde, nesta segunda-feira (24).
Ele lembrou que as vacinas contra a Covid-19 continuam a não chegar aos países mais pobres do planeta e bateu duro nas nações desenvolvidas, classificando a distribuição global dos imunizantes como um “escândalo de desigualdade que está perpetuando a pandemia”.
Segundo ele, do total de doses distribuídas globalmente, mais de 81% foram para países de rendimentos médios/altos a altos, enquanto os países de baixos rendimentos receberam só 0,3%. Também afirmou que 75% das vacinas aplicadas até aqui foram administrados em apenas dez países.
Numa clara crítica aos Estados Unidos -- e ao presidente Joe Biden, ele voltou a cutucar os governos que iniciaram a vacinação de crianças e grupos de baixo risco, ressaltando que o número de doses já aplicadas seria suficiente para imunizar todos os profissionais de saúde e idosos do mundo, se fossem distribuídas de forma equitativa.
É uma triste realidade, mas de difícil solução. Evidentemente que num cenário ideal, isso poderia ser feito. Mas quem iria controlar a vacinação ao redor do mundo? Se em países em desenvolvimento, como o próprio Brasil, já temos casos de fura-fila, corrida por atestados etc, imaginem nos países com menos estruturas de controle.
Na prática, cada país ainda está naquela fase de tentar resolver o seu próprio problema, que por sinal já é enorme. O tema apontado pelo diretor da OMS é válido, mas praticamente impossível de ser resolvido no curto prazo.
Por exemplo, considerando os números absolutos da vacinação, a China segue na ponta do ranking, com 483,3 milhões de doses já aplicadas. Os EUA ficam em segundo lugar, com 281,5 milhões, à frente da Índia, com 187,8 milhões. O Brasil está em quarto lugar, com 62,1 milhões de doses aplicadas, seguido do Reino Unido, com 59,1 milhões. Ou seja, na vacinação absoluta, o Brasil até que está bem.
Mas a crítica do chefão da OMS não é aos países desse rol. Os alvos de Ghebreyesus são os países que compõem a lista de maiores imunizadores por habitante, no ranking global de aplicação de doses, e que indica o número de vacinados a cada 100 habitantes. Nessa relação, o Reino Unido tem a liderança, com 87,17 vacinados, seguido dos Estados Unidos (84,2) Canadá (53,86), Alemanha (52,98), Itália (49,57), França (46,69), Arábia Saudita (36,24), China (33,58) e Turquia (32,85). O Brasil aparece apenas na 63º posição.
Para tentar ajudar nesse equilíbrio citado por Ghebreyesus, foi lançado em abril de 2020 o Covax Facility, programa da OMS em parceria com outras entidades que busca a aquisição e distribuição de vacinas contra a Covid a países pobres.
Como o próprio nome diz, o Covax (em inglês Covid-19 Vaccines Global Access, ou Acesso Global às Vacinas da Covid-19) tem a visão de que com uma pandemia de rápida evolução, ninguém está seguro, a menos que todos estejam seguros. Por isso, essa iniciativa tem a meta de distribuir gratuitamente 2 bilhões de doses em busca da equidade dos países no acesso a um imunizante.
Segundo o diretor-geral, o programa Covax distribuiu 72 milhões de doses a 125 países, mas o volume não é suficiente, claro. Ele pediu aos membros da OMS um esforço para vacinar pelo menos 10% da população mundial até setembro, e um impulso para atingir a meta de 30% até o fim do ano. Pelo Covax Facility, o Brasil tem direito a 10,5 milhões de doses e, em março, o País recebeu 1 milhão de doses da Oxford/Astrazeneca, cujos lotes vieram da Coreia do Sul.
Outro ponto importante nessa discussão é a quebra de patentes de vacinas contra a Covid-19. Vários fabricantes ao redor do mundo já disseram ter capacidade para produzir imunizantes se as empresas de origem estiverem dispostas a compartilhar licenças, tecnologia e know-how. Se isso for realmente verdade, já está demorando para ser feito. Afinal, a cada dia fica mais claro o quadro da pandemia no mundo: muita gente e pouca vacina.