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Todos pela volta dos trens

Não existe garantia de que o transporte coletivo voltará a correr nos trilhos da antiga Sorocabana, porém, a região tem a obrigação de agarrar com unhas e dentes a oportunidade que hora se apresenta

25 de Abril de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
A Linha 8-Diamante, que começa na Estação Júlio Prestes, hoje está ativa apenas até a divisa entre Itapevi e São Roque
A Linha 8-Diamante, que começa na Estação Júlio Prestes, hoje está ativa apenas até a divisa entre Itapevi e São Roque (Crédito: Divulgação / CPTM)

A conclusão do processo licitatório visando a concessão das Linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), na última terça-feira (20), fez renascer entre os sorocabanos e também na população dos municípios vizinhos a esperança de poderem voltar a usufruir de uma opção de transporte rápido e sem percalços -- pelo menos, não tantos quanto os enfrentados no sistema rodoviário -- para a capital paulista. O motivo é que o edital lançado pela Secretaria dos Transportes Metropolitanos no início do ano passado -- e agora vencido pelo consórcio ViaMobilidade, formado pelas empresas CCR e RuasInvest -- prevê a possibilidade de as operações dos trens de passageiros serem estendidas até Sorocaba. A notícia só não é melhor porque a concretização dessa proposta ainda depende de uma decisão do governo do Estado sobre a reativação dos trechos da rede ferroviária além dos limites da Região Metropolitana de São Paulo, na direção oeste, a partir da Estação Amador Bueno, em Itapevi. Isso implica, evidentemente, na superação de inúmeras barreiras, inclusive nos âmbitos burocrático, político e econômico.

Vale lembrar que a reativação da ligação entre Sorocaba e a cidade de São Paulo por meio da malha ferroviária figura há mais de quatro décadas na lista das principais demandas frustradas da população regional. Apesar de algumas deficiências recorrentes, o trem desempenhou importante papel como alternativa aos ônibus e carros particulares durante muito tempo. A extinção do serviço destinado a passageiros, no final dos anos 1970, relegou milhares de pessoas à dependência exclusiva das rodovias Raposo Tavares e Castelo Branco, com suas constantes interrupções, congestionamentos e acidentes. Durante todo esse tempo, a sociedade local clamou por uma solução. Em resposta, inúmeros projetos de retomada da operação dos trens foram anunciados. O tema virou plataforma política para um sem número de candidatos a cargos políticos municipais, estaduais e federais. No entanto, eleição após eleição, as promessas jamais saíram do papel.

Retrocedendo às origens da ferrovia em Sorocaba, constata-se que, apesar de sua relevância para o desenvolvimento regional, o modal por trilhos enfrentou várias crises nos seus 147 anos de existência. Desde a inauguração, em 10 de julho de 1875 -- graças ao esforço pessoal do visionário empreendedor austro-húngaro Luís Mateus Maylasky -- não foram raros os momentos em que o desinteresse dos detentores do poder político e até de investidores colocaram a Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) frente a frente com o fantasma da desativação. A pá de cal, entretanto, veio com a incorporação à Ferrovia Paulista SA (Fepasa), em 1971. Nesta condição, a partir de 1996, as linhas suburbanas da antiga Sorocabana passaram a ser administradas pela CPTM. Dois anos depois, o governador Mário Covas transferiu a Fepasa para a União, como parte do processo de renegociação das dívidas do Estado. Posteriormente, a União transferiu a empresa para a Rede Ferroviária Federal S. A. (RFFSA), passando a ser denominada Malha Paulista. Finalmente, com a extinção da RFFSA, as linhas foram transferidas sob regime de concessão para a iniciativa privada. Esta, por sua vez, jamais demonstrou interesse em reativar o atendimento aos passageiros, concentrando sua atuação no transporte de cargas.

Não obstante o cenário previsto na atual concessão das Linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda deixe de contemplar o projeto do Trem Intercidades (TIC) -- como previsto nas concessões das linhas ferroviárias que servem às regiões de Campinas e Santos, por exemplo --, prevendo apenas o serviço metropolitano, a possibilidade representa um avanço significativo para as pretensões sorocabanas. Lamentavelmente, a expectativa de demanda local inferior à prevista para o provável número de usuários de trens em outras regiões do Estado de São Paulo coloca Sorocaba em nível secundário de prioridade para os investidores quando o foco alcança um sistema mais complexo de transporte de passageiros, com saídas/chegadas de periodicidades mais elevadas e paradas em todas as estações existentes no trajeto.

Durante os 30 anos de vigência do contrato recém-firmado entre o governo paulista e a CCR-RuasInvest, a expansão do trem até Sorocaba será possível por meio da continuação da Linha 8-Diamante. Parte das dificuldades está nos 25 quilômetros de trilhos inativos entre Itapevi e Mairinque desde 1998. Outro entrave é que de Mairinque em diante, no sentido de Sorocaba, a ferrovia é federal, de propriedade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), e concessionado à empresa Rumo Malha Oeste S.A. para o transporte de cargas.

Como nem o decreto da Secretaria Estadual dos Transportes Metropolitanos que definiu a realização da concorrência pública nem o subsequente edital de licitação da concessão estabelecem prazos ou condições para a eventual reativação do transporte de passageiros no trecho Itapevi-Sorocaba, não está descartada a possibilidade de uma repetição da frustração das pretensões sorocabanas. Não existe garantia de que o transporte coletivo voltará a correr nos trilhos da antiga Sorocabana, porém, a região tem a obrigação de agarrar com unhas e dentes a oportunidade que hora se apresenta. O momento requer a união de esforços da classe política com o empresariado, as instituições representativas dos setores produtivos e a sociedade em geral para que todas as condições prévias sejam preenchidas. Que tal uma campanha ampla e irrestrita pela volta dos trens?