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Sorocaba está desprotegida

16 de Fevereiro de 2020 às 00:01

Moro em Piedade. Em meu bairro, ao lado da Capela do Jacueiro, faz bastante tempo, começou a ser construída uma grande igreja: a do Sagrado Coração de Jesus. A aparente intenção era passar para lá as atividades da capela. Depois de levantada a igreja mas com a obra ainda longe de estar terminada, as atividades da capela passaram para a nova edificação. Centenas de pessoas passaram a participar das cerimônias no templo ainda em construção. Isso me preocupou pois o uso de qualquer edificação só é permitido depois de emitido o habite-se. Além do desrespeito a essa exigência legal, ficava nítida a inconveniência do uso do local pelos riscos oferecidos aos frequentadores. Eu sabia, no entanto, em que situação ficaria se fizesse a denúncia da irregularidade. Acontece que, de uma hora para outra, o País foi surpreendido com o desastre de Brumadinho. Não suportei continuar em silêncio e solicitei da Prefeitura a interdição da igreja. Meu pedido foi até bem acolhido. O próprio prefeito se manifestou por sua propriedade declarando, inclusive, que todos os templos da cidade seriam notificados a regularizar-se pois poucos deles tinham AVCB-Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros.

Não é segredo para ninguém que a exigência de AVCB não é cumprida por inúmeras edificações que abrigam público. Diante do ocorrido em minha cidade e do desastre de Brumadinho, solicitei das Prefeituras de Sorocaba, Votorantim e Piedade que passassem a publicar regularmente em seus sites a cópia do AVCB de templos e demais edificações. A medida ajudaria no cumprimento da exigência.

A Prefeitura de Sorocaba foi a única que me respondeu. Informou-me que todos os templos estavam obrigados a exibir em local visível a cópia do AVCB. Diante disso, fui à Catedral Metropolitana para conferir. Não achei AVCB algum. Reclamei da Prefeitura que exigisse da Catedral o cumprimento da obrigação. A resposta foi que a lei municipal que exigia a exposição da cópia do documento havia sido revogada não sendo mais da competência municipal a cobrança da exigência.

Diante dessa resposta, aqui vai o histórico do que aconteceu em Sorocaba.

Na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, no município de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, incendiou-se a Boite Kiss. O resultado foram 242 mortos, 680 feridos e uma comoção nacional. A repercussão chegou a Sorocaba. A Prefeitura se empenhou em passar a cobrar dos templos da cidade a apresentação do AVCB. Esse certificado era condição prevista em lei para que os templos funcionassem e era voz corrente que grande parte deles não tinha. A cobrança feita pela Prefeitura resultou na oposição da Câmara. Composta por vários vereadores religiosos, opôs-se radicalmente à iniciativa da regularização. O argumento era seu custo, decorrente das exigências do Corpo de Bombeiros.

No início de 2015, lei complementar estadual instituiu o Código de Proteção Contra Incêndios e Emergências. A nova lei atribuiu ao Corpo de Bombeiros a tarefa de fiscalizar o cumprimento das regras de prevenção estabelecidas. Diante dessa lei estadual, a Câmara de Sorocaba aprovou projeto revogando a lei municipal que regia a segurança das edificações impondo, inclusive, a exigência de AVCB. A justificativa foi que o aparecimento da nova lei estadual havia deixado desnecessária e conflituosa a lei municipal. Ficou clara a intenção dos vereadores de livrar os templos da fiscalização municipal e de não perder votos de fiéis.

O prefeito da ocasião era Antônio Carlos Pannunzio. Ele vetou o projeto que revogou a lei municipal sob a justificativa de que a cidade não poderia ficar dependente somente da fiscalização do Corpo de Bombeiros. O veto de Pannunzio foi derrubado pelos vereadores. O projeto vetado, então, foi transformado em lei por promulgação da própria Câmara. A lei municipal então existente passou a não valer mais.

Essa é a história do que aconteceu em Sorocaba. A cidade está desprotegida. É preciso voltar a protegê-la por regramentos municipais.

JOSÉ ROBERTO DOUBEK LOPES