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Zoinho

07 de Dezembro de 2019 às 00:01

Zoinho Crédito da foto: Acervo Pessoal

Neusa Gatto

Roda de amigos, penso. Passo ao largo. Rápida olhada e sigo em frente. Detesto panelinhas e, aqui em casa, é o que mais há. Menos com a moça que mora aqui com quem divido minhas mais fortes emoções. Ela me trata com todo o carinho. Deferência? Com certeza. Afinal, sou o mais centrado, o que tem mais conhecimento, o que escuta mais conversa, pesquisa, analisa, tira conclusões... sou o que chamam gato “antenado”. Falou Grafite, falou personalidade, inteligência, charme, eh, eh, eh....

Chiconauta, Mestre e Fumaça, os três ali, na varanda. Fumaça um tanto separado por conta da “neura” do Chico com ele. Mestre, desfalecido quase, de sono.

Subo na mureta do quintal e aprecio a paisagem. Lá no fundo aquela jaboticabeira. Ah a jaboticabeira... Dias a observar os seres pequeninos e espertos que pululam lá. Bato os dentes. Sibilo até. Caça perfeita. Porém, não os alcanço. Mas, algo em mim exige, me dá prazer em ficar ali, a observar. E, lá vem as maritacas. Escandalosas. Assustam “maritaquiando” entre elas.

Então, ouço gritos, miados que parecem urrar. Conheço essa vibe. Briga.

Sigo pra lá e... eis o Fumaça deitado com o Chico em posição de ataque.

Devagar me achego e encaro o nervosinho. Só olho porque a briga não é comigo. Não digo nada. O covardão aqui do lado se levanta.

Desculpem a dureza da palavra -- “covardão” -- mas é que é não há outra pra definir tamanha submissão aos rompantes do “psicofelino” do lugar.

Chico ameaça rosnar. Abre a boca num longo bocejo. Suficiente pra ver que, apesar de metido a brigão, lhe falta um dente, dos grandes, na frente. Ou seja, já chega nos confrontos com um quarto do seu armamento pra morder. E se acha.

Ele se vira, sai e encosta no Mestre. Fica ali no dorme, não dorme.

Fumaça se achega. Agradece. Saio de lado e olho pra ele. Fixo o olhar como a informar que quero resposta honesta pro que vou perguntar.

- Me diga, o que pega entre vocês dois?

O outro silencia. Só me olha com aquele olho esquerdo um tanto enviesado. O antigo Zoinho da casa.

Insisto no olhar inquisitivo. Fumaça se apruma e começa uma história comprida sobre rejeição felina. De antigos traumas. Abandono. Até chegar por aqui. E lascou a elogiar a moça aqui da casa...

Me enciumei. Se tem alguém aqui que pode elogiar, falar de suas qualidades, do amor que demonstra e, claro, por mim apenas, esse alguém sou eu.

Não, não, não, não me venham com críticas. Ô Grafite... isso é autobajulação, egocentrismo, narcisismo. Não, não... não no meu caso, felino legítimo. Daqueles de trisavô conhecido. Já me alongo demais... mas todo mundo sabe que, nós, os “bichanos”, somos intrinsecamente nós mesmos. Sempre. Sabemos muito de nós. O que queremos. Ou detestamos. Amamos. Desconfiamos.

Completo meu pensamento pro choroso amigo ao lado. Chamo sua atenção para o que é inato em nós, que diabos! Cadê a autoconfiança? As estratégias? A rapidez de raciocínio e ação? Talvez tenhamos que arrumar um “psicogato” para tratar de você.

Fumaça só olha. Vai pra sala, sobe na cadeira e se entrega a procurar o sono.

Neusa Gatto é jornalista e produtora de vídeos.