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Vacinas e imunizações: novas abordagens

08 de Maio de 2019 às 00:01

Mário Cândido de Oliveira Gomes

Mais de 70 bactérias, vírus, parasitas e fungos são capazes de provocar infecções graves no homem. A introdução das vacinas permitiu a eliminação de muitas doenças, como a varíola, poliomielite, etc, ou a diminuição de outras tantas, como o sarampo, rubéola, difteria, caxumba, tétano, tosse comprida, etc. Todavia, com a descoberta de novas vacinas, o calendário de vacinações foi ficando cada vez mais completo, como a introdução das vacinas contras as hepatites A e B, meningite pelos meningococos A, B e C, H. influenza e tipo B, etc. O sarampo foi a enfermidade contagiosa mais comum, causando 30% das mortes por doenças evitáveis pela vacinação.

Desde 1980, a Organização Mundial da Saúde tem intensificado a vacinação nos países em desenvolvimento, na tentativa de eliminar doenças como a tuberculose, tétano, difteria, etc, praticamente extintas nos países desenvolvidos. Atualmente a vacinação alcança 80% das pessoas, chegando a quase 100% em certas regiões. O calendário de vacinação no Brasil visa combater mais de doze doenças, ampliando o espectro da vacinação para os idosos. O fundamento da vacinação é o desenvolvimento pelo organismo de resistência (imunidade) contra os agentes agressores. Para isso o organismo dispõe de um verdadeiro exército de mecanismos protetores, como as células de defesa (Iinfócitos T e B, neutrófilos, etc) e imunoglobulinas ou anticorpos (lgG, IgM e IgA), que são proteínas fabricadas contra os germes, suas frações ou produtos elaborados (toxinas).

Na infecção pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV), a queda da carga viral coincide com o aparecimento de linfócitos específicos, muito antes da produção de anticorpos neutralizantes. Assim, quase todas as células infectadas por vírus podem ser reconhecidas e eliminadas pelos linfócitos T citotóxicos. Além disso, tais células produzem substâncias (citocinas) contra os vírus e ativam outras células, como os macrófagos, que por sua vez fabricam novas substâncias, como os interferons e o fator de necrose tumoral.

Infelizmente, os germes também são espertos e procuram escapar do sistema imune do organismo, produzindo modificações na sua estrutura (variações antigênicas) e uniões espúrias com os anticorpos. O vírus HIV-1 (aids) evita os mecanismos normais de defesa ao gerar uma infecção latente nos gânglios, inacessíveis para o sistema imune ou destruindo e inibindo os linfócitos (C04).

Isto explica a dificuldade para a preparação de uma vacina eficaz até o momento. Uma nova abordagem na fabricação das vacinas diz respeito à produção de numerosos antígenos bacterianos e virais em plantas transgênicas. Assim, o antígeno de superfície do vírus B da hepatite, a enterotoxina da E. coli e a glicoproteína do vírus da raiva, são produzidos desta forma, permitindo vacinar os indivíduos pela alimentação, com baixo custo. Da mesma forma, pode-se utilizar a imunização transcutânea, como na vacina contra a cólera. Atualmente, numerosas vacinas são produzidas por engenharia genética e outras utilizam vírus e bactérias para transportar outros antígenos, funcionando como verdadeiros vetores. A imunização com DNA de vírus e bactérias tem despertado interesse devido ao baixo custo, estabilidade e ausência de infecciosidade, como na imunização contra a malária e o vírus Ebola.

Recentemente foi descoberta a sequência completa do ONA de muitas bactérias, como o M. tuberculosis e a C. trachomatis, que permitirá a produção de fatores de baixa virulência e provocadores de anticorpos. Outra área interessante é a aplicação das chamadas vacinas “negativas”, que são utilizadas nas doenças auto-imunes, quando o organismo fabrica anticorpos contra o próprio corpo, como no lúpus, artrite reumatóide, etc. Neste caso, a vacina permite suprimir a resposta imune aberrante. Também existem trabalhos visando elaborar vacinas contra certos vírus associados ao desenvolvimento de tumores, como ocorre com o herpesvírus (sarcoma de Kaposi). HIV-1 (Iinfomas de células B), papilomavírus (carcinoma genital) e o vírus de Epstein-Barr, da mononucleose (Iinfoma de Burkitt e carcinoma nasofaríngeo).

Um exemplo maravilhoso neste campo é a vacina contra a hepatite B na profilaxia do câncer de fígado. Outros cânceres possíveis de serem modificados por uma vacina são os tumores espontâneos, como o melanoma. Um fato extremamente promissor foi a descoberta de uma proteína anômala na doença de Alzheimer, que se deposita em placas no cérebro. A imunização precoce em ratos com esta proteína evita aformação das placas, prevenindo a doença. Desta forma, desde a descoberta da vacina antivariólica por Jenner há 300 anos, muito progresso aconteceu no campo das vacinas e imunizações, permitindo sonhar, num futuro muito próximo, com a descoberta das vacinas contra a aids e as neoplasias.

Artigo extraído do livro Doenças - Conhecer para prevenir (Ottoni Editora), de autoria do médico Mário Cândido de Oliveira Gomes, falecido aos 77 anos, no dia 6 de junho de 2013.