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Um fio de esperança

26 de Setembro de 2020 às 00:01

Um fio de esperança Crédito da foto: Reprodução / Internet

Edgard Steffen

Learn patientce from the lesson

Tho’ the night be drear and long,

To the darkest sorrow there’s come a morrow,

A right to every wrong (J. T. Throwbridge)

Onde há fumaça há fogo, diz a sabedoria popular. O avião que levava o presidente Bolsonaro (18/9/2020) para importante reunião do agronegócio no Mato Grosso, teve que arremeter porque a fumaça das queimadas impediu que o piloto tivesse visibilidade suficiente para um pouso seguro na pista do aeroporto de Sinop. Arremeteu e, corajosamente, pousou na segunda tentativa. A fumaça era resultado do recorde de queimadas que assolaram grande parte do Centro-Oeste.

Escrevo “corajosamente” por experiência similar. O avião de carreira que nos levava a uma temporada de pesca desistiu de aterrar em Corumbá e usou a alternativa Campo Grande. Sob protestos pelo retardo de nossa programação -- navio hotel nos esperava no porto -- tivemos que completar a viagem por terra, em ônibus. Leigos em aeronavegação, protestamos porque, enquanto a aeronave se deslocava acima da fumaça, enxergávamos a planície pantaneira e seus rios meândricos.

Piloto aposentado explicou-me a atitude do colega. A cortina de fumaça era suficientemente estreita e permitia visualizar o solo enquanto estivéssemos acima dela. Nos procedimentos de descida, o avião entraria numa situação intra-fumacê com visibilidade zero. Num aeroporto sem recursos instrumentais (similar ao de Sinop), pequeno erro de cálculo poderia resultar em acidente de graves proporções. Prudente, o piloto preferiu a segurança do aeroporto maior, melhor e sem fumaceira.

Para compensar o retardo, mediante devida compensação, convencemos o capitão do navio turístico navegar a noite toda em direção à foz do rio São Lourenço, enquanto dormíamos para restaurar nossas forças. Seguiram-se dias de muitas emoções. Peixes em abundância, belezas naturais e contato visual com a fauna pantaneira.

Pescar -- do rápido lambari ao valente dourado -- foi, disparado, meu hobby predileto. Hoje, restam apenas lembranças dos bons momentos e saudades dos meus parceiros de bote. A idade provecta impede-me aventuras. Não sou dado a depressões, mas não gosto de rever os lugares onde pesquei. O piscoso Taquari, mesmo antes desta grande seca, virou um corricho assoreado pelas plantações de soja ou pastagem sem respeito à mata ciliar. Sem falar nos agrotóxicos. No rio Paraguai, aquele tipo de pescaria está impossibilitada. Nem durante o dia é possível navegar.

Otimista incorrigível, acredito na recuperação da natureza, apesar da ganância de alguns ogro-negociantes que mancham o produtivo agronegócio brasileiro. As chuvas do primeiro dia da primavera apagaram o fogaréu. No céu começaram a voar os primeiros pássaros. No solo molhado -- ainda quente e tisnado pelas cinzas -- brotos verdes começam a surgir. É a natureza se reinventando. Hileia e cerrado, com toda riqueza de flora e fauna, ressurgirão das cinzas. Com, sem ou apesar de governos. Destaque para a atuação heroica e voluntária dos que arriscaram a vida tentando apagar as chamas e para biólogos e veterinários que pensaram queimaduras em animais feridos.

Na selva política e social, a mangueira da Lava-jato parece perder para o fogaréu que meandra endemicamente em nossa sofrida Pátria. No solo corrompido pelo vale-tudo, tímido brotamento desperta esperança. Não tem a força midiática da nobelizada Malala nem da indicada Greta Thunberg. Mas a grandeza do gesto do pequeno Benício (sete anos, Curitiba) é um fio de esperança para futuro melhor. Sem testemunhas, acidentalmente, o menino provocou pequeno dano em um carro ao cair da bicicleta (19/9/2020). Em vez de fugir, deixou bilhete com pedido de desculpas e o telefone do pai para que o dono do carro buscasse ressarcimento.

Como no poema que ilustra esta crônica: Aprenda a ter paciência através da lição / Apesar da mais tenebrosa e escura das noites acontecerá a aurora / correção para tudo que está errado.

Sorocaba, Primavera de 2020

Edgard Steffen é escritor e médico pediatra [email protected]