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Turquia: a debilidade de sua democracia e a crise dos refugiados

16 de Janeiro de 2021 às 00:03

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

A influência das mídias sociais em democracias no caso concreto contribui para observar como diferentes governos monitoram seus processos eleitorais. A mudança de medidas adotadas na Turquia deve ser observada, tendo em vista que além dos meios oficiais tradicionais como jornais e canais de televisão, o uso da internet também vem sendo monitorado pelo governo do presidente Receb Tayypi Erdogan. Em seu governo, houve alteração da legislação direcionada para as mídias sociais com o intuito de prevenir atos imorais.

O desempenho ruim das mídias sociais de seu próprio país, também foi um argumento usado pelo presidente. Analistas observam que a liberdade de expressão foi consideravelmente prejudicada durante a Covid-19, sendo a pandemia utilizada como motivação para uma maior censura. A condenação do jornalista turco Can Dündar à revelia pelo Tribunal de seu país, a 27 anos e seis meses de prisão, acusado de espionagem e por auxiliar uma organização terrorista, também causa um impacto sobre a democracia.

Segundo dados da Anistia Internacional que avalia a situação dos direitos humanos em diferentes países, houveram severas restrições aos direitos à liberdade de expressão e de reunião pacífica de pessoas. Essa restrição se deu a pessoas que fossem consideradas críticas ao governo atual, como jornalistas, defensores dos direitos humanos e ativistas políticos que foram detidos. Também há manifestações de advogados do país pela necessária independência do poder judiciário em razão das restrições promovidas pelo presidente.

É importante lembrar que a Turquia possui um dos mais antigos pedidos de ingresso na União Europeia (UE), sendo que sua relação com a integração europeia remonta ao ano de 1959. Essa maior aproximação inclui o Ankara Association Agreement (1963), ou seja, o Acordo de Associação de Ancara para o estabelecimento de uma progressiva União Aduaneira que somente foi criada em 1995. No site oficial da UE, a Turquia consta com o status de país candidato. As negociações oficiais para o ingresso na UE se iniciaram em 2005, mas até que a Turquia ratifique o Protocolo Adicional ao Acordo de Associação de Ancara e Chipre, nenhum capítulo de negociação será sequer aberto.

Não obstante a Turquia seja um parceiro estratégico da UE, sendo um importante país transcontinental, situado na Eurásia, interagindo com o bloco em assuntos sistêmicos como migração, combate ao terrorismo e crises econômicas, a fragilidade de sua democracia dificultará a adesão. Segundo o Conselho de Assuntos Gerais decidiu em junho de 2018, as negociações para a entrada da Turquia estariam paralisadas. O fato de o país haver retrocedido em valores que são fundamentais para a UE, como a democracia, os direitos fundamentais e o Estado de direito, determina que o ingresso da Turquia como membro é uma possibilidade cada vez mais distante.

Em um momento em que a UE torna mais rígidas as normas para exigir que seus Estados membros respeitem o Estado de direito ao estabelecer critérios para a concessão de subsídios com base em tribunais independentes, a falta de estratégia do governo turco dificulta o processo.

Simultaneamente, a Turquia é constantemente noticiada pela imprensa europeia, especialmente alemã e neerlandesa, pelos laços migratórios. De acordo com o Escritório Central de Estatística, em neerlandês Centraal Bureau voor de Statistiek, são 415.000 neerlandeses-turcos, dos quais um dos pais, ou ambos avós nasceram na Turquia, no conceito do jus sanguinis da nacionalidade originária. A Turquia é possuidora de relevantes vínculos com a Europa, além de atualmente ser o país que mais recebe refugiados em uma crise migratória sem precedentes, e gasta altíssimos recursos financeiros com essa situação, nesse sentido deve ser observada de forma pormenorizada.

Profa. dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro — Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional — é doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.