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Tributo a um grande amigo

15 de Agosto de 2020 às 00:01

Tributo a um grande amigo Crédito da foto: Arquivo JCS

Edgard Steffen

Amigos vem e vão, mas o verdadeiro amigo

é mais próximo que um irmão. Prov. 18:24

(A Mensagem Bíblia em linguagem contemporânea)

“Cheguei a Sorocaba no final da tarde de 27 de dezembro de 1950.(...) Não me agradava a ideia de morar em São Paulo, embora já houvesse residido lá no período de 1940 a 1944. Oriundo do interior preferia continuar no interior. Daí a escolha. Chamou minha atenção uma fotografia publicada na Folha da Manhã mostrando o Hospital Santa Lucinda, com a notícia que ele integraria a Faculdade de Medicina de Sorocaba, assim como já estava servindo de base para a escola de Enfermagem Coração de Maria. Gostei e decidi me aventurar nos exames vestibulares que seriam realizados no início de 1951. (...)

Desembarquei na estação da Estrada de Ferro Sorocabana sem ter a menor ideia como seria a cidade que me acolheria. Tomei um táxi que me levou pelos meandros das ruas que ficavam próximas, ganhando a rua Álvaro Soares finalmente até o número 555 da Sete de Setembro onde me hospedei na Pensão Pinheiro. (...)

Pareceu-me estranha a geografia complicada de suas ruas, além do casario muito antigo. Havia casas de taipa em plena rua de São Bento, que o progresso obrigou a serem substituídas não muito depois. (...)

Sorocaba era conhecida pelas chaminés fumegantes. Sua inclinação industrial, dirigida para a tecelagem, deu-lhe o cognome de “Manchester Paulista”, pelo acúmulo dessa atividade. Não se pode ignorar também a existência das oficinas da Estrada de Ferro Sorocabana que haviam marcado sua presença na revolução de 1932. Representava, na ocasião a que me refiro, uma excelente área de trabalho. Ser ferroviário garantia esperança de bom trabalho e remuneração considerável, alternativa interessante para as profissões liberais.

A instalação de uma Faculdade de Medicina significou uma alavanca de grande força para o desenvolvimento, que funcionou porque havia potencial na cidade. Caso não houvesse, a Faculdade seria apenas um estabelecimento de ensino e não fonte geradora do progresso que Sorocaba sempre desejou experimentar e levar adiante.

Tanto isso é verdade que, da instalação da Medicina para a Faculdade de Filosofia, foi um pulo. Presenciei os apelos estudantis na rua XV de Novembro na noite em que a Câmara Municipal votava a criação daquela nova escola. Quem estava à frente dos estudantes, estimulando-os a pressionar pacificamente os vereadores era o padre André Pieroni. Com este personagem, bem como o ex-prefeito e deputado Gualberto Moreira estão os méritos das conquistas que hoje ostentamos. (...)

A criação da Faculdade de Medicina trouxe progresso para Sorocaba. Se não foi a única, pelo menos representou o início do embalo que acelerou o desenvolvimento cultural e científico. Poderíamos destacar muitos, porém, queremos lembrar que o primeiro profissional especializado em anestesiologia veio com a Faculdade de Medicina, e também graças à existência do Hospital Santa Lucinda. De igual maneira, o estudo das moléstias do sangue e do manejo da hemoterapia aqui chegou também ligado à Faculdade de Medicina. Sorocaba era bem-dotada de cirurgiões, embora opostos pela rivalidade. A Faculdade de Medicina veio reforçar o elenco dos profissionais em quase todas as áreas”...

(Condensação de relatos do Dr. João de Campos Aguiar Fº referentes à sua chegada na Terra Rasgada)

O autor do texto era da 1ª turma da Faculdade. Obstinado, dedicado, honesto. Com esses três atributos destacados entre muitas outras virtudes, tornou-se professor mestre de Anatomia, diretor de grandes hospitais, diretor da Sociedade Médica de Sorocaba, fundador da Unimed, oftalmologista ilustre, escritor de talento.

Apesar das diferentes origens, professarmos religiões diversas, torcermos para times rivais, votarmos diferentemente e divergirmos em questões de saúde pública, éramos amigos, compadres e parceiros em atividades sociais, literárias, profissionais e de lazer. Acima de tudo, João era grande alma numa família cristã. Tornei-me espécie de tio universal do clã. Partiu, mas deixou marca indelével na terra que o acolheu.

João de Campos Aguiar Filho (1933-2020)

Requiescate in pace

Edgard Steffen é escritor e médico pediatra - Email: [email protected]