Tradicionalista ou progressista?
Dom Júlio Endi Akamine
Nós sempre justificamos nossas escolhas. Nada mais razoável. Se optamos por algo, essa decisão sempre vem acompanhada de justificativas: por que você prefere comprar isso em vez daquilo? Por que você escolhe tal curso ou profissão?
Sempre devemos justificar para nós mesmos e para os outros as razões de nossas escolhas. As razões dão o senso de nossa vontade. Não fazemos as coisas somente porque “tivemos vontade”.
Nisso não há problema algum. O problema surge quando fazemos escolhas erradas. Também nesse caso, encontramos as nossas justificativas “racionais” que nos fazem continuar no erro. Quando pecamos, nós não somente cometemos o ato pecaminoso, mas temos a tendência de permanecer no pecado ao justiçar para nós mesmos e para os outros o que não é justificável nem defensável. O pecado acaba criando em nós uma cegueira espiritual que nos impede de reconhecer o erro em que caímos; causa em nós um endurecimento do coração que se deixa escravizar ao pecado; provoca em nós um “amor” e um apego ao nosso pecado. Entre os jovens tem se tornado popular uma expressão que descreve esse apego: “pecado de estimação”. O pecado gera uma perversão da razão e da vontade: a razão encontra razões que não são razões, e a vontade se volta para o que a escraviza.
Jesus, em uma ocasião, exprimiu a sua decepção com os seus contemporâneos que preferiram permanecer fechados aos diversos chamados de Deus. Quando uma pessoa ou uma sociedade prefere rejeitar Deus sempre encontra desculpas para justiçar a sua atitude. Jesus denuncia a perversão de sua geração com uma parábola (cf. Lc 7,31-35).
Num grupo de crianças que brinca, algumas cantam e outras dançam; depois outras entoam um lamento fúnebre e as outras fazem de conta que choram. Mas essa brincadeira só é possível se as crianças estiverem dispostas a participar da brincadeira. A geração perversa é comparada a crianças birrentas que não querem participar e não colaboram na brincadeira. Assim aconteceu com os contemporâneos de Jesus. Veio João Batista com um estilo exigente de conversão, e as pessoas reagiram dizendo que estava louco e, assim, se eximiram da necessidade de conversão. Depois veio Jesus que mostrou a alegria e felicidade do Reino. Mas também ele foi rejeitado, acusado de glutão e beberrão.
Ao se comportarem dessa maneira, os contemporâneos de Jesus mostraram que rejeitaram todos os caminhos que Deus lhes havia oferecido. Eles rejeitaram a austeridade de João Batista como exagerada e se escandalizaram com a alegria do Reino como algo pouco sério.
Vamos ter a mesma atitude impenitente dessas pessoas? O Evangelho nos chama a seguir o caminho de João Batista: o de uma vida de conversão, de austeridade, de séria busca de Deus. Chama também para seguir o caminho da graça apresentado por Jesus, ou seja, tomar consciência de que Deus está próximo e de que Ele nos ama, nos perdoa e nos convida ao banquete das núpcias.
Os caminhos de João Batista e de Jesus continuam atuais: João XXIII e Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Não é o caso de escolher entre um ou outro; pior, de pôr um contra o outro. “Quando um declara: ‘Eu sou de Paulo’ e outro: ‘Eu sou de Apolo’ não estais agindo de apenas modo humano? O que, então, é Apolo? O que é Paulo? Não passam de servos. Eu plantei, Apolo regou, mas Deus fazia crescer” (1Cor 3,4-6).
Dom Júlio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.