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Terra Trêmula

25 de Abril de 2020 às 00:01

Terra Trêmula Crédito da foto: Arquivo JCS

Edgard Steffen

A terra tremeu na vizinha São Roque (17/04/20).

Magnitude 2 na escala Richter. Apenas assustou

(dos jornais)

Há 34 anos (26/4/1986) ocorreu o pior e maior acidente nuclear da história. Muitos séculos serão necessários para que a radiação da Usina Lenin caia ao nível que permita ao homem habitar em segurança a cidade-fantasma. O acidente de Chernobyl (Ucrânia), começou pela incompetência da equipe no manejo da central de energia nuclear. Erro agravado pela tentativa de esconder a verdade. A informação oficial relatava apenas um incêndio nas turbinas. O governo soviético convocou 800 mil “liquidadores” a maioria sem saber do risco real para interromper o derretimento do núcleo e evacuar a área. Não se sabe ao certo quantos morreram. Os dados variam conforme as fontes; entre 9 e 60 mil óbitos. Custou 235 bilhões de dólares para a combalida economia soviética. Foi um dos fatores que provocou a queda da URSS. Confusão.

Quando terremoto de 9,1 na escala Richter provocou o tsunami na Indonésia (26/12/2004), quase 300 mil habitantes pagaram com a vida a fúria da natureza. Filme espanhol “O impossível” narra história de família em férias no país quando o tsunami ocorreu. No caos reinante, o pai com os dois menores sãos e salvos não sabiam o que acontecera com a mãe e o filho mais velho. Estes, arrastados pela corrente e também separados, nada sabiam do resto da família. O impossível aconteceu e, num final feliz, a família reunida pode voltar para o conforto de seu lar. Confusão vencida.

Em fevereiro de 1986, na Nicarágua, terremoto matou 23 mil pessoas e destruiu lares e empresas de outras 80 mil. Entidades de todo o mundo despejaram 25 mil toneladas de alimentos e 150 toneladas de medicamentos para ajuda ao país. Como efeito colateral, o excesso de doações destruiu a incipiente indústria guatemalteca e deu enorme prejuízo aos produtores locais de alimentos. Confusão ampliada.

Quando, em agosto de 2005, o furacão Katrina alcançou a escala 5 com ventos de 260 km/h fez as águas subirem 6 metros. New Orleans foi inundada. Morreram 1.800 habitantes e a reconstrução custou 150 bilhões de dólares. Ao Partido Republicano, custou votos. George W. Bush, segundo a oposição, demorou a enviar socorro para a região. Confusão explorada.

O novo coronavírus surgido em Wuhan, em dezembro de 2019, provocou doença nova descrita por um jovem oftalmologista e confirmado por um clínico. O governo ditatorial obrigou Li Wenliang, 30 anos, ir à televisão desmentir seu achado epidêmico. Nem todos governantes europeus deram a devida importância. Continuaram de salto alto achando que tirariam de letra aquela “gripezinha” chinesa. Dançaram. Ou pior, fizeram dançar seu povo apavorado pela extrema contagiosidade do coronavírus. A pandemia desorganizou os pseudossuficientes sistemas de saúde. Confusão censurada..

A orientação da OMS é aplicar o isolamento social para retardar o pico de transmissão. O retardo daria aos países tempo para ampliar os respectivos recursos do sistema de saúde. Com um olho no gato (pandemia) e outro na sardinha (economia ou seriam eleições?!) alguns líderes boicotaram a recomendação dos epidemiologistas. Confusão politizada.

Dizem que, na China, a palavra “crise” é composta por dois ideogramas: um significando problema e o outro, solução. O Katrina, que quase a afogou, serviu para Nova Orleans repensar seu contrato social. Passados dez anos a prosperidade voltou a bafejar a cidade do jazz. Escolas reabriram com melhor qualidade, o turismo cresceu, houve incremento (64%) de novas empresas, a criminalidade baixou e a população carcerária foi reduzida em 2/3. Reconstrução.

Divago. Nossa bandeira parece trazer o lema “País do Futuro”. Desculpa esfarrapada. Esse tal de Futuro nunca chega. Melhor seria completar o velho lema positivista: O Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim. Talvez seja esta a hora de se pensar menos em vantagens e aproveitar a desordem para reconstrução democrática equilibrada. Que o Amor seja tanto ao Brasil quanto ao próximo. Mais perto do Brasil sempre, mais distante do próximo por tempo conveniente.

Edgard Steffen é médico pediatra e escritor E-mail: [email protected]