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Tenham modos, senhores!

09 de Fevereiro de 2020 às 00:01

Carlos Brickmann

Chega: eleitor brasileiro tem o direito de não ser agredido com o tipo de palavreado de boa parte de nossos líderes políticos. Não é só a agressividade dos ataques mútuos; é também a falta de respeito por quem os ouve. Aquilo que minha avó Maria chamava de bons modos: “Tenha modos, menino!”

Bons modos são algo de que estamos necessitando. Aquela piada suja de botequim pode ser engraçada, mas não é para ser repetida diante de pessoas religiosas. Pode-se achar que uma jovem é extraordinariamente sensual, mas não gritar “gostosa” quando ela passa na rua. Há quem se vanglorie de sua incomum potência sexual, mas esse não é tema para tratar em público, e por dois motivos: o segundo é que mentir não é coisa de gente bem educada.

Nos últimos tempos, alguns (necessários) freios se romperam. Bolsonaro parece ter esquecido a liturgia do cargo, o comportamento que se espera de pessoas que lidam com o público. Imagine-se uma negociação diplomática em que um dos lados começa perguntando a mão de quem ele deve molhar. Ou um presidente chamando seus colegas de cucarachos ladrones. Na frase de um grande jornalista, Frederico Branco, “tem coisa que pode, tem coisa que não pode”. Presidente da República mal educado não pode.

Lula passou bom tempo alardeando a grossura como estilo. Bolsonaro o emula. Gente educada não passa o tempo proclamando que é (ou não) imune à disfunção erétil. Se isto for problema, é deles. Nosso ouvido não é Viagra.

Quem lê, e quando

Durante muitos anos, jornais e revistas evitaram não apenas termos chulos como expressões insubstituíveis, mas que não eram bem aceitas em casas de família. “Bunda”, por exemplo, palavra cujo significado é típico da língua falada no Brasil, podia aparecer como “bumbum”, “derrière”, “nádegas”. O uso da palavra “camisinha” era tacitamente proibido e assim foi até que as doenças sexualmente transmissíveis levaram os governos a utilizá-la. Antes, eram “condoms”, “preservativos” camisinhas, mas com apelidos. Exagero, claro; mas a ideia de que o grande jornal era lido pela família toda se manteve até recentemente. Os políticos mantinham a compostura: Carlos Lacerda, o demolidor de adversários, nem falava palavrões. Jamais se ouviria Leonel Brizola falar de sua potência sexual, ou alguém se gabar de suas amantes.

De quem é a culpa

Em vez de entrevistas coletivas bem organizadas, em que os políticos têm a oportunidade de expor suas ideias ao eleitor, o Brasil optou pelas cenas de grosseria explícita das reuniões na porta do palácio, com ofensas a repórteres e participação de uma claque que aplaude o entrevistado e ataca quem quer entrevistá-lo. Culpa de quem? De todos, inclusive dos jornalistas. Vi muito, antes, fotógrafos com as câmeras no chão e repórteres indo embora para não participar de algo inaceitável. Perguntas e respostas. Saiu daí é bobagem.

Loucura

A tolerância aos maus modos chegou ao ponto de levar ao inacreditável: em Rondônia, a secretaria da Educação queria recolher das escolas uma lista de livros “com conteúdo inadequado”. Por exemplo, Os Sertões, de Euclides da Cunha, ou Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. E livros de Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony, Edgar Allan Poe. Pior foi a explicação do secretário da Educação de Rondônia: a ordem foi escrita por técnicos, sem seu conhecimento ele apenas a assinou. Nem demitido foi!

Carlos Brickmann é jornalista. E-mail [email protected]