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Sobre o nosso chimpanzé Black e o Judiciário

27 de Junho de 2019 às 00:01

Maria Cornélia Mergulhão

Lemos com preocupação as opiniões do promotor Marum, do Ministério Público Estadual, publicadas em 13 de junho último, discorrendo sobre o caso do nosso chimpanzé Black.

Há um terrível equívoco na sua comparação sobre o caso Black e o da chimpanzé Cecília, do Zoológico de Mendoza, que conseguiu um inédito habeas corpus e foi transferida para o Mantenedor em Sorocaba. O Zoológico argentino citado era totalmente inadequado para os animais e visitantes e foi fechado na época e a fêmea encontrava-se debilitada, vítima de maus-tratos. Só esse fato já contradiz totalmente seu texto, onde, a propósito, o zoo de Sorocaba é elogiado.

Não obstante, o desfecho defendido pelo promotor para o caso é que “seguisse o exemplo de Mendonza, no qual houve acordo entre a ong autora da ação e a Prefeitura local, possibilitando o encerramento amigável do processo”.

Com o perdão da intromissão na área jurídica, mas como tantos profissionais de tantas áreas têm dado opinião sobre o bem-estar do Black, acho que a opinião de biólogos e veterinários sobre essa questão pode ser ouvida também. Quanto ao “habeas corpus”, que eu saiba, defende o direito de ir e vir de uma pessoa, então, nesse pensamento de igualdade com humanos, se um chimpanzé tem direitos, ele teria também deveres? Se fosse assim, o chimpanzé que atacou e mutilou a tratadora lá mesmo no “Santuário” deveria ser julgado criminalmente? Portanto, a meu ver, apesar de o chimpanzé ser parecido com humanos, é um disparate essa pretendida humanização. O chimpanzé, e todos demais bichos, são objeto do direito, e não sujeitos de direitos e obrigações. Cabe às pessoas tratar bem os animais, não porque eles têm direitos, mas porque é nosso dever.

Além disso, se a Prefeitura de Sorocaba, por um equívoco que eu julgo que não poderia acontecer, fizesse um acordo em ceder o Black para o “Santuário”, com certeza cidadãos sorocabanos poderiam, com toda justiça, processar o município por entregar indevidamente o patrimônio público a um particular. Sim, o Black e todos os animais do Parque Zoológico Municipal Quinzinho de Barros são patrimônio público, ou seja, o Black tem um dono, que é o Município, vale dizer, ele pertence aos cidadãos sorocabanos.

Outra declaração dita pelo promotor que merece toda nossa reprovação: o Black não “trabalha” no zoo municipal, nem é simplesmente uma atração, é um animal que foi resgatado de um circo há muito tempo, e hoje serve à causa da preservação das espécies e da educação ambiental dos nossos jovens. Sua existência no parque zoológico está afeta, isto é vinculada, a essa finalidade de interesse público, sem fins lucrativos, e a “desafetação” só poderia ocorrer por lei municipal. No mínimo, para o Black ser transferido a um particular, deveria ter havido um processo regular de concessão ou permissão de uso.

Segundo o promotor, ainda, o zoológico não seria adequado para o chimpanzé. Mas cabe perguntar: o autodenominado “Santuário” é? O animal lá vive em um tipo de recinto que não guarda nenhuma semelhança com o habitat natural e, obviamente, também vive confinado. Ou seja, da mesma forma não estará em liberdade, pois isto é impossível e, pior, a alimentação lá é como a dos humanos, não respeita a biologia do animal, incluindo até açúcar e outros produtos industrializados.

No “Santuário” houve fuga de chimpanzés, mais de uma vez. A última foi em outubro de 2017, quando dois chimpanzés fugiram e aterrorizaram uma família que mora na vizinhança. Se formos lógicos e usarmos a mesma argumentação do “Santuário”, a fuga dos animais indica que eles estão infelizes neste local. Ou esse raciocínio só vale para os zoos? Por que as ongs, em vez de serem contra, não apoiam o trabalho do zoo de Sorocaba que recebe, por ano, cerca de 400 animais resgatados da fauna brasileira vítimas de atropelamento, queimadas e tráfico? Pra que atrapalhar o trabalho desses profissionais, que se dedicam de corpo e alma, com o caso Black que tem uma realidade própria, uma história de vida diferente desses animais resgatados? Entendam, por favor: o Zoológico não vai na natureza capturar animais!! Além disso, os zoológicos são comprometidos com a conservação, pesquisa e educação. A história pode provar o quão poderoso isso é. No Brasil, há o caso espetacular dos micos-leões, onde uma espécie -- o mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) -- tem 34% de sua população atual descendente de animais criados nos zoológicos. O mesmo destino pode ainda estar reservado para os outros 38 animais considerados extintos na natureza que são atualmente perpetuados em cativeiro. Segundo Igor Morais, biólogo e membro do Comitê de bem-estar animal da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (Azab), os zoos por si só não são a solução, eles são parte dela num mundo onde está cada vez mais difícil para as pessoas lembrarem o que é ou como é a vida selvagem. Um estudo publicado em março de 2015 pelo dr. Eric Jensen e sua equipe na conceituada revista Conservation Biology demonstra que os zoos e aquários modernos ajudam, de forma significativa, na compreensão e papel de como os visitantes podem proteger espécies animais. Enfim, se as 18.011 espécies e subespécies de animais considerados ameaçados e dependentes de esforços conservacionistas conseguirão recuperar-se e continuar a existir no futuro isso irá depender de nós. Irá depender de deixarmos de lado argumentos sem embasamento científico, e partirmos para uma gestão consciente, bem pensada e responsável dos ambientes e recursos naturais da Terra. A diversidade da vida neste planeta é importante demais para ficar refém da pura política e emoções humanas. Volta Black!

Maria Cornélia Mergulhão é veterinária e participante do Movimento #voltablack.