Siderurgia: falta carvão, sobra minério. Mas temos sucata
Sandro Donnini Mancini
O Brasil sempre se considerou abençoado com relação aos recursos minerais, inclusive metálicos. Na metalurgia, praticamente os dois únicos metais importantes que o Brasil não é autossuficiente são o cobre e o chumbo. Há casos como o do Nióbio, em que cerca de 90% de todo esse metal está em território nacional. Mas, em termos de importância estratégica e quantidade comercializada, o maior exemplo se dá com o ferro e aço, materiais fabricados a partir do minério de ferro. A metalurgia dos metais ferrosos (aço e ferro fundido) é chamada siderurgia e, para se ter uma ideia do tamanho dela, cerca de 95% dos metais consumidos no mundo são ferrosos. O Brasil tem uma das maiores reservas de minério de ferro do mundo e é razoável que o país desempenhe um papel importante na siderurgia global.
Mas aí vem uma queixa constante de quem não se conforma com o tradicional lugar que é reservado ao país: o de exportador de “commodities”, produtos geralmente minerais e agrícolas comercializados em larga escala no mercado mundial, de valor agregado normalmente baixo e sujeitos a oscilações de preços. Por outro lado, produtos finais, como bens de consumo industrializados, costumam ter valor agregado maior e são considerados mais estratégicos e vantajosos. Dessa forma e em linhas gerais, a economia brasileira vende produtos baratos e compra produtos caros, sendo uma das explicações para o fato de sermos um eterno país “em desenvolvimento”.
Os inconformados usam o exemplo do rompimento da barragem de Mariana, da mineradora Samarco, em 2015, e a de Brumadinho, da Vale, em 2019: o Brasil exporta produtos in natura ou com pouco beneficiamento, internalizando os impactos ambientais (como a barragem de rejeitos de mineração, nesses casos). Certamente até já importamos o aço produzido com esse minério parcialmente beneficiado na forma de equipamentos, automóveis e outros bens de consumo. Quem usa esse exemplo tem razão, mas uma ressalva pode e deve ser feita nesse caso: a siderurgia brasileira é manca.
Para se fazer os metais ferrosos, tão importante quanto o minério de ferro é o carvão mineral. Este acaba funcionando como elemento extrator do ferro de dentro da rocha (que não tem só ferro) e como fonte de energia, já que essa extração ocorre em altas temperaturas. Parte do carbono que o carvão tem entra na composição do metal, pois, em quantidades adequadas, dá origem a materiais com propriedades e aplicações variadas. Só que o Brasil não tem carvão mineral bom para siderurgia, o carvão metalúrgico. Logo, há a necessidade de importação, o que torna a siderurgia nacional dependente do mercado externo.
A parte boa nisso é que o minério é bem mais valioso que o carvão. Segundo os últimos dados do Ministério das Minas e Energia (https://bit.ly/2zpcmtF), em 2018 o principal componente da pauta das exportações da mineração brasileira foi justamente o minério de ferro: foram exportadas quase 400 milhões de toneladas, o que trouxe ao país 20 bilhões de dólares (cerca de 8% do que se arrecadou com todas as exportações brasileiras no ano). O país importou, também em 2018, 23 milhões de toneladas de carvão metalúrgico, o que representou um gasto de 3,4 bilhões de dólares (quase 2% das importações nacionais no ano).
Outro dado, dessa vez mais animador: cerca de 30-40% do metal ferroso que abastece a siderurgia brasileira é sucata. Para se produzir aço a partir da sucata ferrosa geralmente se derrete todos os resíduos num forno e posteriormente é corrigida a sua composição, processo onde alguns “ingredientes” podem ser acrescentados ou retirados, normalmente em quantidades pequenas. Em linhas gerais, obter metais ferrosos a partir da sucata não requer carvão, o que tende a tornar a siderurgia brasileira menos dependente do mercado externo.
Sandro Donnini Mancini é professor da Unesp de Sorocaba (www.sorocaba.unesp.br). E-mail: [email protected]