Respirar
Tulio Pereira Cardoso
Primeiro e último ato da vida humana, respirar vem do latim respirare (re = de novo e spirare = inspirar e expirar). A primeira inspiração enche os pulmões de ar e causa o choro do bebê. Muito bem vindo pelo obstetra ou parteira, pelo neonatologista, pela enfermeira, pelo pai quase desmaiado, e principalmente, pela mamãe. Quanto mais forte esse choro, mais alta a nota dada ao recém-nato (Apgar*). Chorar pode dar boas notas! Choro de vida que começa. Hora alegre, hora de inspiração.
O respirar como último ato, último suspiro de vida, é acompanhado do choro dos parentes, dos amigos e, por vezes, do médico que o assiste naquela triste hora.
Respirar é uma ação repetida e automática que só notamos quando temos dificuldade de realizar, quando temos falta de ar. Nesse momento de pandemia viral, muitos tem essa sensação de falta de ar. Não poderia ser diferente. Você liga a televisão, abre o jornal, whatsapp, lê este artigo, só se fala no coronavírus! Sai à rua, opa! não pode sair por causa do coronavírus. O uso da máscara sobre o nariz e a boca também dá sensação de falta de ar, ou não dá? Mas é importante usar de forma correta e adequada cobrindo boca e nariz. Se de tecido, duplo. Só tocar as alças sem tocar a frente. Higienizar em solução de água sanitária e água. Lavar com sabão e passar a ferro. Se descartável...descartar a cada 4 horas no máximo. Se formos comentar sobre o ar que respiramos, poluição e desrespeito ao meio ambiente, vamos entender um pouco sobre como o homem está acabando com o mundo e como futuras gerações vão pagar o preço da falta de ar. **
Difícil mesmo é respirar ouvindo as notícias políticas. Não é a mídia que está causando a pandemia, é o vírus. Não existe exagero no noticiário, existe o fato. Pergunte a quem teve um parente afetado. Quem deveria dar bons exemplos, dá os piores possíveis. Alguns aproveitam o momento para autopromoção com intenções eleitoreiras ou comerciais. Os governos vem construindo hospitais de campanha em tempo recorde, gerando gastos vultuosos, mas provavelmente necessários. Há anos, como médico, convivo com infindáveis reformas nos hospitais públicos e com frequente falta de recursos, dos mais primários como simples ataduras de gesso ou fios para sutura de ferimentos. Repentinamente gestores públicos acordaram para problemas que não viam? Será que ainda vou achar que o vírus serviu para alguma coisa? Do ponto de vista ortopédico e traumatológico serviu. Diminuíram os acidentes de trânsito devido a menor circulação de veículos e pedestres, menos acidentes de trabalho pelo fechamento de fábricas, e menos acidentes em escolas pela suspensão das aulas. Por outro lado aumentaram os acidentes domésticos. Curiosamente os acidentes com motoboys, apesar do intenso movimento, parece não ter aumentado proporcionalmente. De qualquer maneira, temos que seguir em frente, ouvindo os cientistas, dando bons exemplos, exercendo a verdadeira cidadania, seguindo as regras de comportamento com sensatez e paciência, para brevemente respirar de forma livre e automática como fazíamos pouco tempo atrás.
* Teste de APGAR criado em 1952 pela anestesista americana Dra. Virginia Apgar, avalia a vitalidade do recém-nato. O choro forte dá uma nota 2 para respiração.
Mais tarde tornou-se Aparência/Pulso/Gesticulação/Atividade/Respiração com notas de 0 a 2.
** Sugestão: assistam o documentário An Inconveni
Tulio Pereira Cardoso é Doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com título de especialista pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia