Representantes do Povo
Crédito da foto: Divulgação / Pixabay
Tiberany Ferraz dos Santos
Dentre tantas críticas infundadas ou não que o Poder Legislativo (União-Estados-Municípios) tem sido objeto, as mais frequentes e vergonhosamente censuradas são aquelas direcionadas a medidas “auto agraciadas”, ou seja, leis fabricadas e inseridas no contexto de outra lei maior, dirigidas suas “auto benesses” a parentes, amigos, etc.
Em Sorocaba, soube-se pela imprensa local que desde os idos de 1997 estão sendo “agraciadas” esposas de servidores públicos municipais e seus aposentados, à razão de 5% do salário mínimo local.
Agora, vindo a público tais benesses, alegar-se-ia sua legalidade com fundamento em “direitos adquiridos” ou o “princípio da isonomia” (igualdade) e como tais, perenes e imutáveis, máxime pelos seus vinte e três anos de “profícua” existência sem demandas ou contraditórios.
Ora, “direito adquirido” o é se legitimamente adquirido e tendo por objeto o bem-estar coletivo refletido em vantagens idôneas para a mesma sociedade, a qual a duras penas já a nível nacional custeia esta mesma sociedade de apaniguados.
Com efeito, as mais altas regalias e vantagens estão aquinhoadas aos membros dos poderes da República em todas as esferas políticas que, além da remuneração elevada à base de 15 salários anuais, têm verbas de gabinete, para escritórios políticos nos Estados, despesas de correio, telefones, e-mail, viagens, despesas de locomoção e outros custos indiretos em campanhas eleitorais permanentes, assessores, etc.
Aliás, recentemente noticiou-se a existência do “auxílio paletó” e até “auxílio dentista...” e mais, a assembleia paulista instituiu, copiando o Congresso, o auxílio moradia até para deputados residentes na região metropolitana da capital. E às comissões parlamentares de inquérito (CPIs) - para investigar “deslizes” de membros do Poder Legislativo, indaga-se: quem investiga o próprio Legislativo? Toda CPI, sabemos, acaba em nada, aliás, ao absolver o acusado, passa a dar-lhe o atestado de conduta íntegra no exercício do mandato popular.
Eventuais condenações de políticos renomados originam-se do Poder Judiciário, porém, todos estão soltos gozando das benesses do “povo brasileiro”, inclusive, proferindo palestras em infindáveis viagens ao exterior com o nosso dinheiro.
Voltando a Sorocaba, alegam-se que tais benesses às esposas de funcionários e de aposentados, estão hoje agasalhadas pelo direito adquirido!! Ou então pela “isonomia”, princípios estes constitucionais que dariam plena cobertura à situação fática existente, com suporte nos artigos 149/151 do Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, o qual regula singelamente “direitos” a salário à esposas de funcionários ativos e inativos à razão de 5% /mês do salário mínimo, desde que não tenham outra atividade remunerada.
Instados a tal despropósito, as autoridades alegam ser legítimas e imutáveis estas remunerações, vez que ora estão sob manto do direito adquirido, ou quando não, sob o princípio da isonomia; princípios estes constitucionais, dentre outros, que norteiam a administração pública, e a não observância deles implica em violar todo o sistema constitucional da administração pública, que, em linhas gerais, obriga o administrador público a não praticar atos visando interesses pessoais e a conveniência de qualquer indivíduo ou grupos deles.
No caso as “esposas” não são funcionárias da administração municipal, ou inativas do serviço público. Não há vínculo jurídico/trabalhista com o Poder Público Municipal, destarte, não satisfazem hoje e jamais irão satisfazer as condições materiais e jurídicas para auferirem esse estranho beneplácito.
Cediço em nosso Direito não haver “direito adquirido” para lei ou dispositivos de leis inconstitucionais como no caso, por isso mesmo não podem gerar direitos adquiridos porque elas jamais foram autorizadas pela Constituição; assim, tão logo sejam detectadas devem ser retiradas do ordenamento jurídico municipal, e seus efeitos são nulos em relação aos beneficiários, não podendo afirmar-se o mesmo aos seus mandantes.
Flagrante, pois, a inconstitucionalidade discriminatória do posicionamento jurídico/trabalhista, contudo nos artigos 149 a 151 do Estatuto, ao agraciarem apenas funcionários ativos e inativos casados, em desprezo aos demais solteiros, por exemplo.
Sendo assim, a lei discriminatória é inconstitucional e não poderá gerar direito algum aos seus beneplácitos para daí ferirem também o princípio constitucional da igualdade / isonomia, a iniciar pelo mandamento constitucional de que todos são iguais perante a lei ou, a “contrario sensu” - tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais (Const. Federal art. 37), ou em outras palavras, assegurar às pessoas de situações iguais os mesmos direitos, prerrogativas, vantagens e as obrigações correspondentes.
Logo, no caso presente as empresas e autarquias municipais não poderiam remunerar de forma diferente funcionários casados e solteiros, ou seja, dar a todos ou não dar a todos os funcionários, porém, a lei municipal em apreço embora dirija-se ao funcionário, indiretamente condiciona e dirige o benefício à esposa do funcionário, excluindo-se os solteiros, separados, etc.
Sem embargo a opiniões conflitantes, no caso temos como mortalmente feridos os princípios do direito adquirido de um lado e de outro o princípio da isonomia explicitados acima.
Dr. Tiberany Ferraz dos Santos - advogado formado pela Faculdade de Direito de Sorocaba; pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo; ex professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito de Sorocaba e da Universidade de Sorocaba - UNISO; ex-membro do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda; ex-Secretário de Negócios Jurídicos da Prefeitura Municipal de Sorocaba.