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Reminiscências (Para matar saudades em dias de confinamento)

02 de Maio de 2020 às 00:01

Edgard Steffen

28 de abril Dia Mundial da Educação

Na parede à minha frente, contemplo foto de meu pai, tirada em Santos nos anos 20. Christiano João Martinho Steffen engravatado, terno de bom corte e sapatos brilhando à frente de um monomotor. Ao seu lado, pessoa não identificada (candidato ao voo?).

O registro fotográfico reporta-me a episódio curioso. Numa de suas viagens a Santos, meu pai resolveu experimentar as sensações de voo panorâmico. Após ouvir as instruções do piloto, subiu na carlinga. Quando o motor foi ligado, o avião começou a sacolejar.

A intensa trepidação da máquina de voar, aperfeiçoada na 1ª Grande Guerra, fê-lo desistir. Quando os DC3, reaproveitados da 2ª Grande Guerra, realizavam voos domésticos, meu pai neles voou para visitar sua irmã em Mato Grosso e a família de seu filho mais velho na Media Sorocabana.

No dia da foto preferiu a segurança do solo à inconstância dos ventos e ao desafio da lei da gravidade. Ele contava essa história e a emendava com outra de um parente que, na inauguração da estação ferroviária de Indaiatuba, desmaiou quando a locomotiva deu aquela resfolegada cheia de vapor e chiado. Pálido de susto, o primo teve de ser amparado para não amassar e sujar o parelho novo envergado para a inauguração.

Caçula entre onze irmãos, vim para este mundo quando a fase áurea do jovem comerciante e fazendeiro havia passado. Já não podia levar a prole em férias na praia. Perdera a fazenda em mau negócio e a crise de 1929 incumbiu-se de inviabilizar o comércio e beneficiamento de café e cereais. Para quem fora vice-prefeito, juiz de paz, delegado, vereador e presidente da Comissão do Centenário de Indaiatuba, a perda da 1ª eleição, após 27 anos de mandato, jogou-o de vez à lona. A elegância paterna expressa na velha foto, contradiz a imagem guardada em minha memória afetiva.

A imagem a qual me acostumei era vê-lo em calça e camisa. Cabelos ralos, olhos azuis ornavam seu porte de metro e noventa. Paletó somente nos casamentos e no culto dominical da igreja. Pele clara tisnada pelo sol durante labor na fazendola de seu cunhado, ou nas ruas e estradas durante encargos de fiscal municipal. Chapéu panamá (talvez feito em Cerquilho) protegia seu rosto e seus olhos da claridade intensa do sol. Nas mãos calejadas portava porrete à guisa de bengala. Desconfio em serventia maior para defesa do que apoio.

Quando nasci a família de Christiano e Augusta era composta por três jovens estudantes, três adolescentes e cinco crianças. Para sobrevivência, minha mãe assumiu a agência dos correios da pequena cidade. Gilberto e Yolanda estudavam no Ginásio Koele, em Rio Claro e Júlia no Rio Branco de Campinas. Todas escolas alemãs tanto no uso da língua germânica quanto na prussiana disciplina.

Na incapacidade de saldar respectivas mensalidades, Christiano tirou-os do curso secundário. Gilberto, com 3 anos de Koele empregou-se no Instituto Biológico na área de combate às pragas. Júlia assumiu a casa e trabalheira da grande família, para que mamãe pudesse assumir os correios. Os adolescentes Oscar e Lauro foram trabalhar em armazém de cereais. Lauro, franzino, atrás do balcão. Oscar, atleta fortão, no manejo de sacaria.

Yolanda insistiu em estudar. Alojada em casa de família amiga transferiu-se para o Colégio N. S. do Patrocínio (Itu). Formou-se professora. Faltando pouco para completar o curso normal, não havia mais recursos nem para pagar a escola. As freiras acordaram que pagasse quando começasse a trabalhar. Foi o que aconteceu. Começou em escola rural e, transferida para a zona urbana tornou-se espécie de professora símbolo da cidade.

No exercício do magistério ajudou o pai a reerguer as finanças da família e proporcionar estudos profissionalizantes aos mais novos.

Privilegiado caçula temporão não vivenciei os tempos difíceis. Minhas saudades se referem apenas aos dias em que salário de professora primária alavancava famílias.

Edgard Steffen professor primário. E-mail: [email protected]