Reflexões sobre diálogo, defesa e perdão
Cládis Sanches Lopes
Nada valerá, ou a nada levará, conversar-se às escondidas, quando, hodiernamente, segundo a gama enorme de pensadores, o diálogo sempre foi, e é, o meio mais fácil à obtenção da verdade, mesmo que, às vezes, seja ela falseada.
Sabe-se, também, que o quilate da grandeza do ser humano se mede pelos seus atos e, jamais, pelos fatos que o circundam.
Atos há que, quando praticados de forma afoita e incorreta, possam ferir, em muito, o âmago de algum de seus interlocutores.
Neste caso, apenas e tão-somente o diálogo será o meio razoável a sobrepujar o impasse, evitando-se, assim, que o lesado venha a instar ao Estado, através do Poder Judiciário, objetivando a tutela jurisdicional do seu direito, que entende abalado.
Há, contudo, fatos que -- uma vez distorcidos pela transmissão incorreta, ainda, na sua origem -- redundam em sérios danos à imagem ou à própria pessoa a que se destinavam, culminando na repulsa imediata desta, que, via de regra, são levados ao Judiciário, com vistas a se lhe obter uma declaração, de molde a retornar ao status quo ante desmaculando, assim, o seu perfil denegrido.
Evidente que tanto os atos como os fatos podem levar o destinatário-receptor a erro de interpretação, seja ela uma exegese extensiva, ou mesmo restritiva: neste caso há de se conceder ao agente, por via do diálogo, possa esclarecê-los, evitando-se, quiçá, a propositura de medida judicial cabível à salvaguarda dos direitos daquele.
É através desse diálogo que se chegará à verdade, antes da adoção de qualquer outra medida judicial ou extrajudicial.
A humanidade, através dos tempos -- a tanto basta que se atente às lutas ferrenhas dos jurisconsultos da Roma antiga, entre eles o pretor Ulpiano, grande magistrado urbanus -- demonstrou, sempre, que o diálogo se constituiu na forma plausível e mais razoável de se obter um acordo mensurável entre os interlocutores, tidos como de interesses conflitantes, resultando em suas pretensões resistidas.
Mesmo que esses interesses conflitantes, uma vez esgotados os meios suasórios, por via do diálogo, sem se chegar a bom termo, sejam levados à apreciação do Poder Judiciário, e o magistrado, adstrito ao que preceitua os arts. 139, V, cc/ 334 , do Código de Processo Civil (CPC), tentará conciliar as partes, também, por via do diálogo, cujos resultados têm demonstrado elevado sucesso, nesse desiderato.
Pelo diálogo chegou-se ao sagrado e decantado direito amplo de defesa, bem como do princípio do contraditório, esculpidos no art. 5o., LV, em nossa Carta Magna, a Constituição dita Cidadã de 1988 (CF).
O Evangelho de São João realça: “Nemo inauditus damnari debet” (ninguém deve ser condenado sem ser ouvido), surgindo daí o célebre e consolidado princípio do contraditório, pelo que se dá ao réu o seu direito de defesa, usando este do diálogo, a fim de expor a sua verdade, que, talvez, seja conflitante com a de seu opositor, ressurgindo, assim, a necessidade da verdade jurídica, diante da norma objetiva abstrata, que compete ao magistrado dizer e aplicar, no caso que lhe foi submetido apreciar.
Portanto, diálogo e defesa caminham juntos, binômio esse a que o homem não pode prescindir, no seu dia a dia, sob pena de se praticar a malfadada injustiça.
No âmbito do agente ofensor está a chamada “exceptio veritatis ” (exceção da verdade), pela qual se poderá consolidar a prova da verdade daquilo que foi imputado ao seu interlocutor, caso ela, efetivamente, exista.
Já o perdão, sendo ato privativo do ofendido, há de ser obtido, também, por via do diálogo, sem se descurar, porém, do já citado sagrado direito de defesa.
Premido o homem por sua extrema vaidade, (Vanitas vanitati et omnia vanitas), nega-se, via de regra, a adotar esse trinômio em seu dia a dia, culminando, quase sempre, pela quebra da tão-almejada paz social, objetivo maior da sociedade.
Por via de consequência, insta-se pela tutela do Estado ante os mais comezinhos interesses, acarretando, com isso, o excesso de processos nas diversas varas judiciais, inviabilizando se possa conceder a necessária celeridade processual, com prejuízos a todos.
Estivesse muito mais presente, na vida do cidadão, esse trinômio (diálogo, defesa e perdão), mais amena seria a vida em sociedade, onde a verdade e a virtude se sobressairiam, culminando, então, com a ratificação do que disse o grande pensador e filósofo francês Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède et de Montesquieu: “Quando um povo é virtuoso, são necessárias poucas penas” (Do Espírito das Leis, capítulo X).
Somente no Estado democrático de direito é que realça a possibilidade da existência desse trinômio, dele não se cogitando nos Estados ditos totalitários, eis que, fechados em si sobressai a vontade única e exclusiva do detentor do poder.
Exercitá-lo, contudo, é tarefa que se circunscreve mais ao legado do Onipotente, o Grande Arquiteto de Universo (G.A.D.U.), na forma do livre-arbítrio concedido por Ele ao ser humano, nos limites de sua real capacidade em compreender e entender os atos e fatos sociais, em prol da paz social coletiva.
É de se meditar, diariamente, sobre isso.
Cládis Sanches Lopes é advogado, pós-graduado, ex-auditor do Banco do Brasil, professor universitário e escritor.