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Recurso hídrico e planejamento urbano

07 de Novembro de 2019 às 00:01

Fellipe de Andrade Abreu e Lima

Por volta de 1488-1489 Leonardo da Vinci, o gênio renascentista, fez um projeto hídrico para Milão e seus canais no intuito de controlar a água na cidade e criar vias de navegação internas. O mesmo ocorreu para seus projetos para Firenze, Pavia e mesmo uma forma militar de acabar com a cidade quando planejou desviar o rio Arno para tirar o acesso de Pisa ao Mar e impedir o abastecimento e sobrevivência das pessoas por falta de água.

A percepção da necessária subsistência humana da água fez com que muitas das principais cidades do mundo fossem planejadas nas margens ou proximidades de rios ou grandes lagos. Paris, Roma, Londres, Nova York, Chicago, Washington D.C. no exterior. No Brasil podemos falar de quase todas as capitais e de muitas outras cidades de grande porte.

A lição é obvia. Se desde os gregos as cidades eram limitadas a um determinado número de habitantes, por que no Brasil de hoje em dia ainda não o são? A resposta é simples. Quem planeja cidade no Brasil é vereador e mercado imobiliário, e não arquiteto e urbanista, engenheiros ou sociólogos numa equipe multidisciplinar técnica. Em muitas cidades na Europa, EUA e Ásia o número de habitantes é regulado até mesmo em bairros. No Brasil as leis estáticas e inadequadas não ajudam em nada a qualidade de vida. A democracia brasileira é uma tragédia grega e nos mata silenciosamente.

É difícil entender como uma sociedade não aprende com os erros. Há sociedade racional que aprende com os erros dos outros, sociedade medíocre que só aprende com muitos erros próprios e sociedade inominável que não aprende nem com os próprios erros. Quem somos nós? Até quando vamos suportar que alguns doutos especialistas que ocupem as cadeiras da casa legislativa municipal e façam mudanças nos planos diretores de uso do solo urbano e não pensem no limite populacional e na urgente relação entre capacidade hídrica do município e o número de habitantes? Resta-nos a fé em Deus e São Pedro, pois fé nos doutos é para bobos.

Em Sorocaba estamos enfrentando essa problemática há alguns anos. A capacidade hídrica da nossa principal fonte de abastecimento, a represa de Itupararanga que está localizada nos municípios de Ibiúna, Sorocaba e Votorantim não tem capacidade de atender a todos numa situação de escassez de chuvas. Imaginam se, com as leis atuais, todos os lotes urbanos dessa região fossem edificadas ao seu máximo? Já pensou que Sorocaba e Votorantim poderiam ser uma cidade com mais de 3 milhões de habitantes consumindo água? Caso ainda tenha dúvidas a resposta é que não há água suficiente nem para a atual densidade populacional, imagine com a efetivação de mais densidade urbana nestas cidades. Resta-nos torcer para que o maior número de leitores reforce a urgente revisão das políticas de adensamento urbano nas cidades em nome do interesse coletivo e que a partir de então toda cidade tenha um número limite de habitantes relacionadas à sua capacidade hídrica.

Fellipe de Andrade Abreu e Lima é Professor Dr., arquiteto e urbanista e coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Esamc Sorocaba.