Quem precisa dar o exemplo
Crédito da foto: Nelson Almeida / AFP
Carlos Brickmann
Beleza a festa pré-carnavalesca oferecida pelo governador baiano Rui Costa a convidados selecionados. Boa comida, boa bebida, salões decorados com esmero, gente de traje esporte fino, gente de black-tie (em Salvador, no verão!) Beleza! Mas há seis anos o funcionalismo público da Bahia não tem reajuste, oito colégios estaduais foram fechados por questões de economia. Claro, por mais luxuosa que tenha sido a festa, o que se gastou com ela não seria suficiente para resolver nenhum dos problemas do governo estadual. Verdade. Só que o exemplo só pode vir de cima. Se as Excelências gastam à vontade, que recado estão passando ao povo?
Não é só a festa baiana. Os ministros do Supremo poderiam deixar de comer lagosta e tomar vinhos premiados que isso não faria diferença no orçamento da União. Da mesma forma, o custo do plano de saúde do Senado (é vitalício, vale também para ex-senadores, dá cobertura total, sem limite, extensiva a cônjuges e a filhos e enteados até 33 anos de idade) não ajudaria a cobrir o déficit público. Mas mostra que no Brasil o privilégio é sagrado.
Durante a Segunda Guerra, com Londres sob bombardeio, o rei George 6º insistiu em ficar na cidade, com a família. Sua filha Elizabeth, hoje rainha, trabalhou como enfermeira. A Coroa deu seu recado: lutaremos até a vitória.
Ninguém quer ver os governantes passando necessidades. Mas é preciso dar tanta festa, com tantos funcionários, com tantos carros? Respeitem-nos!
Exemplo é exemplo
Harry S. Truman, presidente americano na época da vitória na 2ª Guerra, não tinha poupanças ao deixar o poder. Foi então que o Congresso autorizou uma pensão para os ex-presidentes. Conta-se que, ao passar o cargo, Truman recusou o carro oficial que o levaria ao aeroporto, por não ser mais presidente, e, pelo mesmo motivo, rejeitou o avião posto à sua disposição. Foi ao aeroporto de táxi e comprou passagem de volta para seu Estado.
O salário policial
A Polícia Militar do Ceará está amotinada, e há articulações em outros 12 Estados para iniciar movimentos semelhantes. Greve de agentes armados já é ilegal; motim é de extravagante ilegalidade. Mas há outra questão: salário. Os PMs ganham mal, a Polícia Civil ganha pior ainda. E falta equipamento essencial: não há coletes suficientes à prova de bala, parte dos que existem está com validade vencida. Como convencer policiais, civis ou militares, de que não há mesmo recursos para eles, se Executivo, Legislativo e Judiciário não têm problema de verbas? Claro, se a mordomia fosse reduzida a zero, a economia não daria para resolver todos os problemas de equipamento e salário da Polícia; mas haveria a convicção de que o problema era de todos. Mas como falar nisso quando o pessoal de cima tem penduricalhos e não vê qualquer obstáculo para ganhar mais que o teto constitucional, que seria o de ministro do Supremo Tribunal Federal? Se “eles” podem, por que “nós” não?
Apenas como complemento: São Paulo, o Estado mais rico da Federação, paga aos policiais civis o salário mais baixo do país.
Epidemia e economia
As bolsas caíram no mundo inteiro (e caíram muito) diante das notícias de que o número de pessoas infectadas por coronavírus continua crescendo. Não é só o número: carros coreanos dependem de peças chinesas, a Apple, uma das empresas mais valiosas do mundo, depende da produção da China, o Brasil exporta pesadamente para a China (importa pesadamente, também).
A boa notícia
O presidente Donald Trump pediu ao Congresso US$ 2,5 bilhões para o combate ao coronavírus. Destes, US$1 bilhão se destinam a desenvolver a vacina. Trump disse na Índia que, nos EUA, a doença está sob controle, que os americanos contaminados se recuperam e que a produção da vacina está próxima. Mas, se estivesse próxima, haveria tempo para gastar US$ 1 bilhão?
Carlos Brickmann é jornalista. E-mail: [email protected]