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Quem com ferro fere...

06 de Outubro de 2018 às 08:49

Quem com ferro fere... Crédito da foto: Vanessa Tenor

Aldo Vannucchi

É fácil lembrar. Fora armado um complô para prender Jesus. Estavam ali representantes da aristocracia laical e religiosa, mais Judas, o traidor. Queriam uma ação rápida, mas houve uma pequena tentativa de resistência, que culminou no decepamento da orelha de um soldado romano, por um golpe de espada. O gesto desabusado de Pedro foi repreendido, de imediato, por Jesus: “Quem lança mão da espada pela espada perecerá” (Mateus 26, 52).

É de opinião unânime que daí veio o provérbio universalmente repetido: “Quem com ferro fere com ferro será ferido”. Aliás, vários outros ditados populares procedem de fonte bíblica, como “Quem semeia vento colhe tempestade”, “Médico, cura-te a ti mesmo”, “Quem dá aos pobres empresta a Deus”.

Esse caso da espada, na prisão de Jesus, me parece de lembrança oportuna, porque estamos em dias que muita gente pretende transformar em tempo de guerra. Penso o contrário. A hora é de guardar a espada. Descontentamento, frustração, raiva, ódio, desforra podem nos levar ao desconcerto da violência e precisamos mais do que nunca investir na construção da paz, uma paz que não seja apenas ausência temporária de guerra.

Todo cidadão tem direito de preferir candidato de esquerda, de centro ou de direita. Ninguém de juízo pode impor seu modo de pensar como único verdadeiro e adequado para consertar o País. Eleições, em vez de abrir campos de batalha, devem provocar reflexão e ação, para um processo de revezamento de governantes, de substituição de paradigmas que não deram certo, de troca ponderada de posições, uma providencial oportunidade para repudiar o que não vem funcionando bem e reconhecer boas experiências, que devem continuar.

O resultado das urnas será, evidentemente, comemorado por milhões e lamentado por outros tantos. Mas não será a certeza de todas as maravilhas nem a confirmação de todos os desastres. No delírio de uns pela vitória do seu candidato e na decepção de outros pelo fracasso do seu voto, será muito bom ouvir a voz da História, a mestra da vida. A História pátria e a História universal. Nos seus cinco séculos de vida política, o Brasil já viu de tudo: lances de grandeza e manobras de malas-artes. Lá fora, a mesma coisa: uma Alemanha que elege Hitler e depois se refaz, como um dos países mais desenvolvidos da Europa, e um Japão arrasado pela guerra, guindado hoje a terceira economia do mundo.

Aconteça o que acontecer amanhã neste pleito, continuaremos com os nossos seríssimos problemas de desemprego, de desigualdade social e de corrupção, que não serão resolvidos, miraculosamente, a partir de 1º de janeiro, por quem subir a rampa. A solução virá, como sempre, do trabalho de toda a população, desde que mais consciente da própria responsabilidade de aprimorar o regime democrático, com a necessária reforma política.

O primeiro passo vamos dar amanhã. Abstenção, voto em branco e voto nulo serão atitudes de alguém que não se afirma nem como eleitor nem como fazedor. Não elege ninguém e não faz um gesto por um Brasil melhor. Pessoas omissas, aparentemente neutras e, na realidade, perniciosas. Merecem ouvir aquele terrível “porque és morno, e nem és frio nem quente, vomitar-ter-ei da minha boca” (Apc 3, 16).

Aldo Vannucchi é mestre em Filosofia e Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e licenciado em Pedagogia. Autor de diversos livros, foi professor e diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba (Fafi) e reitor da Universidade de Sorocaba (Uniso) -- [email protected]