Quando os rins vão à academia...
Cibele Isaac Saad Rodrigues
Como médica, poderia escrever durante horas sobre os benefícios da atividade física para a imensa maioria das pessoas. No entanto, é sempre bom lembrar que atletas de final de semana, sem avaliação médica prévia, podem sofrer isquemia (falta de oxigênio) em tecidos nobres como o coração e o cérebro quando se submetem à sobrecarga sem que o organismo estivesse preparado para tanto.
Mas, via de regra, a academia é um excelente local de preparo para uma vida saudável, principalmente se o indivíduo estiver orientado sobre alguns aspectos.
Recentemente, em entrevista a uma rádio de nossa cidade, fui perguntada sobre os malefícios do uso indiscriminado de proteína na dieta. É difícil pontuar prós e contras em poucos minutos. Assim, aproveito este espaço privilegiado para fazer alguns alertas.
Frequentemente, a prescrição de dietas chamadas hiperproteicas está associada à atividade física regular e à vontade de ter um físico forte, bem torneado e que seja notadamente “saudável”. Talvez a cultura ao corpo e a ditadura da beleza, tão buscadas na sociedade moderna, tenham seu papel nos exageros cometidos na atividade física desmedida especialmente se associada ao consumo de dietas e suplementos impróprios, e quando na presença de nefrolitíase (pedras nos rins) ou de alguma doença que já tenha levado a uma perda de função renal (como diabetes, pressão alta, nefrites, entre outras).
É preciso lembrar que a atividade física extenuante pode determinar uma quebra de proteínas musculares. O nome dado a isso é rabdomiólise. Seus produtos, liberados de dentro das células musculares, são a mioglobina e o potássio, elementos excretados pela urina.
Vale lembrar que a associação de rabdomiólise com desidratação (causada pelo suor excessivo, principalmente em condições climáticas adversas de muito calor, sem reposição adequada de líquidos) pode diminuir a formação de urina e, literalmente, “entupir” os rins de forma grave. Eventualmente, isso pode causar a necessidade de diálise ou, até mesmo, a morte por arritmia, como as notícias que já ouvimos em casos de jovens que entram para as Forças Armadas que ensejaram, inclusive, uma forte campanha preventiva por parte do Exército Brasileiro (disponível em http://www.eb.mil.br/campanha-de-prevencao-a-rabdomiolise1). O uso de proteínas em excesso nestas condições pode ser fator decisivo em causar estragos no rim, podendo ser fatais.
Os pacientes com rabdomiólise têm sintomas de dores musculares de forte intensidade e rigidez. São comuns as câimbras, mal-estar, fadiga e urina vermelho-escura ou acastanhada, devido à presença da mioglobina. É importante analisar caso a caso, mas, certamente, o uso de anabolizantes, carnitina, creatina, complexos vitamínicos ou medicamentos nefrotóxicos como anti-inflamatórios e corticoides, sem prescrição médica, associados à dieta hiperproteica e atividade física excessiva, podem predispor a graves problemas renais.
Ressalto que os anabolizantes utilizados para melhoria de desempenho estão formalmente contraindicados e só devem ser utilizados em casos de deficiência do hormônio testosterona, como ocorre em desnutrição extrema (caquexia); em pacientes que estão no pós-operatório de cirurgias de grande porte; ou como coadjuvante no tratamento de doenças graves, sempre sob orientação médica, pois os inúmeros efeitos colaterais e os riscos não compensam os supostos benefícios.
Também é de destaque que um suplemento alimentar comercial, mesmo com registro que avalize sua qualidade, por melhor que seja, jamais poderá substituir uma dieta alimentar balanceada ou um tratamento médico específico. Pode ser, sim, muito benéfico para o tratamento de desnutrição e melhora da imunidade, mas deve ser orientado por nutricionista ou médico.
Lembrando que, como o próprio nome sugere, suplemento é algo que acrescenta, portanto, é um complemento alimentar, e nunca um substituto.
Se você sabe ter um problema renal, todo cuidado é pouco com o que come, suplementa ou toma de medicamentos. O caminho mais fácil ou ilegal, como, eventualmente, o utilizado para aquisição de hormônios anabolizantes, pode ser sem volta.
Como tudo nesta vida, a parcimônia, o equilíbrio e a prescrição de medicamentos e suplementos sob supervisão especializada de quem, de fato, entende do assunto, são medidas preventivas muito bem-vindas para quem quer levar seus rins à academia e sair de lá com eles sempre funcionando bem.
Cibele Isaac Saad Rodrigues é professora-doutora titular do Departamento de Medicina da FCMS da PUC-SP e Coordenadora Acadêmica do Hospital Santa Lucinda. Ela também é presidente da Sociedade de Nefrologia do Estado de São Paulo.