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Primeiro de Janeiro, Dia Mundial da Paz

27 de Dezembro de 2020 às 00:01

Dom Julio Endi Akamine

Fomos criados para a paz e não para a guerra!

Mais do que um projeto desejado pelas pessoas, a paz é primeiramente um atributo do próprio Deus. A Paz constitui a natureza de Deus: ser Deus é o mesmo que ser Paz.

Toda a humanidade anseia ardentemente pela paz porque, no final das contas, toda a criação é um reflexo do próprio Deus da paz. Enquanto criaturas, trazemos impressas as marcas das “mãos de Deus” no barro do nosso ser (Gn 2,7). Por isso optar por práticas e por políticas que evitem o conflito significa ser coerente com a própria natureza humana.

Na revelação bíblica, a paz representa a plenitude da vida. Mais do que mera construção humana, é dom divino oferecido a todos, o que pressupõe a obediência à vontade de Deus.

Para alguns, falar de obediência a Deus provoca um sentimento de revolta: obedecer parece ser a negação da liberdade humana.

Na verdade, a obediência à vontade do Pai, que se revelou em seu Filho Jesus Cristo, é a verdadeira liberdade que constrói a paz, pois se trata de uma vontade de plenitude, não de penúria; de felicidade, não de tristeza; de harmonia, não de desordem; de paz e não de violência.

A paz é reconciliação com os irmãos. Por isso, Jesus ensinou na oração do Pai-nosso associar o pedido ao perdão oferecido aos irmãos.

"Perdoai-nos as nossas ofensas, assim omo nós perdoamos a quem nos tem ofendido". Com esta dupla reconciliação, o cristão se torna artífice da paz.

Fruto da justiça, a paz está em perigo, quando ao ser humano não lhe é reconhecido o que lhe é devido, quando não é respeitada a sua dignidade e a convivência não é orientada em vista do bem comum. Para a construção de uma cultura da paz e de uma sociedade pacífica é essencial a promoção dos direitos humanos.

Justiça e amor nunca estão desvinculados na construção da paz: a justiça é a medida mínima do amor, e o amor leva à plenitude a justiça.

A função da justiça é remover os obstáculos para a paz, mas a sua plenitude é o amor, pois ela é uma ordem em que as necessidades e exigências alheias são sentidas como próprias. Com efeito, a paz é uma convivência na qual cada um faz o outro participar dos próprios bens.

A paz só é possível através da reconciliação. Não é fácil perdoar, principalmente quando temos que enfrentar as feridas da guerra, da criminalidade e dos conflitos.

A violência deixa sempre uma herança pesada de dor que somente pode ser aliviada quando os contendores são capazes de enfrentar os abismos da desumanidade com uma atitude purificada pelo arrependimento.

O peso doloroso do passado não pode ser esquecido e varrido para debaixo do tapete da história e das consciências. Por outro lado, sem reconciliação com o passado, sem atingir a justa reparação -- nunca a vingança, mesmo que controlada --, sem o perdão reciprocamente oferecido e recebido, a cultura da paz não lança raízes nos tratados, na sociedade e nos corações.

O perdão não anula as exigências da justiça, tampouco bloqueia o caminho que leva à verdade. Justiça e verdade representam os requisitos concretos da reconciliação.

Nesse sentido, são oportunas as iniciativas que tendem a instituir organismos judiciários internacionais para apurar a verdade sobre crimes perpetrados durante conflitos armados. Outra iniciativa necessária é a instituição de Comissão da verdade para julgar comportamentos delituosos ativos ou omissos.

Iniciativas semelhantes a estas são importantes não somente para estabelecer a justa reparação, mas principalmente para restabelecer o recíproco acolhimento entre povos e pessoas divididos pelos conflitos.

É preciso paz nos tratados. É necessária a paz da confiança. É sumamente necessária a paz nos corações.

A paz é um bem indivisível. Ela não é uma mercadoria que possa ser feita em pedacinhos para que cada um tenha a sua paz privada: ou é possuída por todos ou não é possuída por ninguém. Assim impor a segurança em detrimento de grupos sociais desprotegidos não constrói a paz autêntica e duradoura.

A paz só pode ser imposta com a própria paz. Ela nunca se separa dos deveres da justiça e se nutre do sacrifício de si próprio, pela clemência, pela misericórdia e pela caridade.

Por tudo isso, é necessário orar pela paz que. A oração é o modo como nós abrimos o coração para a relação com Deus e para o encontro com o próximo sob o signo do respeito, da confiança, da compreensão, da estima e do amor. A oração infunde coragem e dá apoio a todos os verdadeiros amigos da paz.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.