Precisamos exercitar a ética dialógica
Thífani Postali
Não é novidade que vivemos tempos em que os discursos diversos estão acentuados em nosso cotidiano. Dependendo do ambiente, as ideias tendem para um viés, o que pode ser divergente quando estamos em outro local. Ocorre que, nas redes sociais, a dinâmica é bem diferente.
Nossos colegas, que podem ser totalmente digitais ou contatos cotidianos (que nas redes assumem suas representações virtuais), parecem concordar totalmente conosco. Assim, compartilhamos, sem pensar, conteúdos de humor ou até ideológicos que resumem a forma como entendemos o mundo.
As redes sociais nos protegem da diversidade nas chamadas bolhas. Nelas, as pessoas veem o mundo da mesma forma como nós, inclusive as marcas que consumimos, ou, até mesmo, o jornalismo que corrobora com as nossas ideias, denunciando os horrores do mundo, o que parecia, até então, que só nós víamos. E ai daquele que pensa diferente! Perguntamos: “em que mundo ele está?”. O correto seria questionarmos em que bolhas ele e nós estamos!
Hoje, o Facebook tornou-se a mídia mais acessada por muitos brasileiros que, nele, se informam sobre os acontecimentos do mundo. Uma pesquisa realizada pela Quartz revelou que 55% das pessoas que usam internet no país resumem a navegação ao Facebook; e que cerca de 70% se informam pela rede social.
Esses dados são alarmantes, uma vez que os conteúdos que recebemos nas redes sociais são customizados pelos algoritmos, que nos dão a falsa sensação de poder e de que pensamos como a maioria das pessoas. Não podemos deixar de citar que, nelas, temos a liberdade de expressar nossas ideias, mas somos passivos no que diz respeito àquilo que recebemos. Logo, o mundo torna-se adequado às nossas expectativas.
Fora desse ambiente, nos deparamos com inúmeros indivíduos que pensam diferente de nós, cada qual, modelado, também ou, talvez, pela sua bolha. As divergências de ideias, no lugar de serem encaradas como complementares ou, no mínimo, provocadoras para nossas reflexões, são vistas como ideias insignificantes, de uma minoria, e que, portanto, devem ser combatidas. O pensamento é simples: se a maior parte de minhas relações sociais reflete a forma como eu vejo o mundo, logo, uma ideia diferente é oriunda de alguém deslocado da realidade. Diante dessa postura, as discussões, no lugar de provocar ideias, buscam impor visões particulares sobre o mundo.
As divergências de ideias sempre existiram. Aliás, elas são fundamentais para a vida em sociedade, que é marcada pela diversidade. No entanto, as redes sociais acentuaram a ideia da razão perante o diferente, mesmo quando não dominamos o assunto. Nesse caos, a ciência e a educação passam a ser questionadas, bem como o jornalismo. Na avalanche de informações, cremos em nossos parentes, amigos ou vizinhos, que concordam com as nossas ideias. Parece mais seguro!
Ocorre que estamos deixando de praticar o que há de mais importante na vida humana: a ética dialógica. De acordo com Martín Buber, nos sentimos plenos na troca de ideias, na postura respeitosa com as coisas do mundo. A chave para viver bem em sociedade é a postura que se dá a partir da relação respeitosa. Essa relação, por sua vez, só ocorre quando olhamos para aquele que é diferente de nós despidos de nossos títulos, nomes, poderes econômicos ou políticos. Toda pessoa tem um caminho diferente do nosso e podemos aprender com ele quando estamos abertos ao diálogo. No entanto, em tempos de caos -- algoritmos nos bloqueando das relações com o Outro e nos oferecendo a falsa ideia de verdade, combinada às fakenews -- os discursos tomam conta das relações, provocando um sentimento de mal-estar na vida cotidiana, que passa a ser vazia de sentido. Assim, as redes sociais, de fato, passam a ser o lugar mais prazeroso e seguro. Até quando?
*Thífani Postali é doutoranda em Multimeios pela Unicamp e mestra em Comunicação e Cultura pela Uniso. É professora da Uniso e membro dos grupos de pesquisas MidCid e Nami. Blog: www.thifanipostali.com.