Crédito da foto: Saul Loeb / AFP

Edgard Steffen

“É maravilhoso, Senhor, ter tão pouco a pedir e muito a agradecer” (Michel Quoist)

A quarta quinta-feira de novembro é Dia Nacional de Ação de Graças, conforme lei sancionada pelo Presidente Dutra (1949) modificada por Castelo Branco (1966). Mostra que eles -- antes de virarem nome de rodovias -- preocuparam-se em estabelecer um dia especial para demonstrarmos gratidão ao Eterno doador de todas as coisas. A comemoração entusiasmara Joaquim Nabuco quando embaixador em Washington (1910).

Aculturados pelos USA, desde a Segunda Grande Guerra, gostamos do cinema, da música, das séries de televisão, da língua inglesa (falada pelos americanos). Sem excluir Rodeos. Nas festas de peão boiadeiro vestimo-nos e dançamos country, como se fôssemos capiaus ianques. O Halloween anda engolindo Todos os Santos e Finados. Impossível imaginar americanos vestidos de caipira comemorando festas juninas. A recíproca não é verdadeira. Se bobearmos, qualquer dia ouviremos foguetórios pós-juninos saudando o Quatro de Julho...

Na terra do time is money o Dia de Ação de Graças é o maior feriado. Dura quatro dias. Mais do que o próprio Natal, é festa da família. Filhos e parentes podem até passar fora de casa as comemorações de fim de ano, mas se reúnem com o núcleo familiar para o Thanksgiving. Em torno de farta mesa, tradicionalmente, um peru assado. Por quê?

Tudo começou em 6 de setembro de 1620. Num veleiro amontoaram-se 102 passageiros e 30 tripulantes. Escrevo amontoaram-se, porque deveriam viajar em dois navios, mas o Speedwell fez água. Não conseguiu navegar. O velho cargueiro Mayflower, adaptado para transportar gente -- media mais ou menos 30 metros de comprimento por 7 de largura -- teve que aguentar a sobrecarga. A maioria dos passageiros era de puritanos calvinistas em busca de um lugar onde pudessem professar sua fé com liberdade, longe tanto da Igreja Anglicana como da Inquisição. Antes do desembarque, assinaram o Pacto do Mayflower, primeiro documento legislativo da nova colônia. No parágrafo inicial, o registro: “On the name of God. Amem”.

Quando os peregrinos do Mayflower chegaram ao sudeste do atual estado de Massachussets (11/11/1620) já não havia tempo para plantio do trigo. Tiveram que esperar a primavera. A espera fez com que as sementes perdessem o potencial germinativo e a colheita pífia foi insuficiente para o sustento da colônia recém-fundada (Plymouth). Índios Wampanoags, chefiados por Massasoit, deram-lhes sementes de milho e os ensinaram a plantar. Também os ensinaram a caçar perus selvagens. A primeira safra de milho, no verão de 1621, foi muito boa e os peregrinos haviam se tornado exímios caçadores de perus. A comunidade resolveu agradecer ao Eterno a boa colheita e convidou os índios a participarem da festa. Massasoit e 90 guerreiros contribuíram com cinco veados para o banquete. Peru foi o prato principal. Nasceu aí a tradição.

A data não “pegou” no Brasil. Apenas o circuito cristão, timidamente, comemora a efeméride. Por quê?

Talvez porque nossos primeiros colonizadores nunca tenham sofrido perseguições por ideais e ideias. Sequer as trouxeram. Talvez porque a lei não partiu dos anseios do povo. Não se sente gratidão por decreto. Talvez porque não é feriado e já temos folgas prolongadas no Carnaval e Semana Santa.

Ou, porque não gostamos de perus. Continuamos preferir o rijo frango caipira, a gorda picanha ou o torresmo dos leitões à pururuca.

Embora todo dia e toda hora sejam propícios à gratidão ao Pai Eterno, bom ter um dia legalmente destinado às nossas ações de graça. Como o apóstolo Paulo escreveu aos tessalonicenses: Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco. (Iº Ts. 5:18)

Com dois dias de atraso recebam votos de que vocês tenham tido pouco a pedir e muito a agradecer. Happy Tanksgiving!

Sorocaba, Dia Nacional de Ação de Graças, 2019

Edgard Steffen é médico pediatra e escritor. E-mail: [email protected]