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Por que não te calas?

16 de Fevereiro de 2020 às 00:01

Carlos Brickmann

É uma frase simples mas imortal: foi dita pelo rei da Espanha, Juan Carlos, ao dirigente venezuelano Hugo Cháves, que insistia em interromper o primeiro-ministro espanhol numa conferência. Paulo Guedes deveria saber que quem cuida de política econômica não fala: qualquer coisa que diga tem influência em preços, juros, câmbio. Se uma empresa listada em Bolsa fizer um comunicado, tem horário para isso: após o fechamento do pregão.

Paulo Guedes tem todo o direito de achar que o dólar mais alto é melhor (facilita exportações, dificulta importações, desestimula viagens ao Exterior, estimula estrangeiros a visitar o país). Tem todo o direito de preferir o dólar mais baixo (40% do valor de um automóvel, por exemplo, é importação; é mais fácil trazer equipamentos de última geração). Mas não tem o direito de se expor fora de hora, ainda mais com uma frase tão infeliz, segundo a qual, com o dólar baixo, “até domésticas estão voando para a Disney”. Tomara fosse verdade. Mas não é: e ele ou não sabe disso, o que prejudica seu desempenho, ou sabe, e prejudica quem acredita no que ele diz. O custo do linguassoltismo de Sua Excelência é de no mínimo US$ 2 bilhões, que o Banco Central teve de leiloar para evitar que o dólar disparasse no mercado.

Há fatores externos puxando o dólar para cima. Mas é preciso lembrar que, no ano passado, quase US$ 45 bilhões saíram do país, desesperançados. E os dólares que choveriam com a reforma da Previdência nem garoaram.

Palavras vãs

O governo previa também que, com a inflação em baixa (efeito de Temer) e as expectativas de crescimento de até 2% do PIB, as exportações subiriam. Esperanças vazias: em janeiro, o déficit brasileiro na balança comercial foi de algo como US$ 1,7 bilhão. As medidas oficiais, até agora, tiveram muito apoio mas pouco resultado. Se os dólares só saem, o câmbio só vai subir.

Ricos e pobres

Paulo Guedes tem sólida formação acadêmica, em sua atividade privada obteve êxito, mas lembra a história da menina rica que teve de preparar uma redação sobre uma família pobre. Saiu assim: “Era uma família pobre. O pai era pobre, a mãe era pobre, os filhos eram pobres, o jardineiro era pobre, os motoristas eram pobres, o piloto era pobre, a chef de cuisine era pobre, as domésticas eram tão pobres que só podiam tirar férias no Exterior um ano sim, um ano não”.

Deve ser ótimo trabalhar como doméstica para um patrão como Guedes.

Chega

Hans River do Rio Nascimento, um ex-funcionário da Yacows, empresa de marketing digital que trabalhou para Bolsonaro em 2018, tenta se livrar de problemas na Comissão Parlamentar Mista de Inquéritos sobre Fake News inventando histórias sobre a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo. Depois de passar informações sobre a empresa (confirmados por processo que tramitava na Justiça do Trabalho), para a jornalista, a Folha publicou reportagem mostrando que muitas firmas, entre elas a Yacows, usavam irregularmente nome e CPF de idosos para registrar chips de celular a partir dos quais disparavam mais mensagens em favor de seus candidatos. Logo depois de chegar a um acordo com a Yacows, River do Rio enviou mensagem de texto a Patrícia Campos Mello, dizendo: “Pensei melhor, estou pedindo pra você retirar tudo que falei até agora, não contem mais comigo”.

Mentiras demais

Até aí, tudo bem: mas, na CPMI, acusou Patrícia de ter “se insinuado sexualmente em troca de informações”. Só que as conversas foram gravadas. E mentir à CPMI pode render-lhe um indiciamento. O deputado Eduardo Bolsonaro disse que não duvida que a jornalista tenha “se insinuado sexualmente em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Bolsonaro”. Talvez acredite que mulheres não tenham capacidade para apurar uma reportagem. Só que não havia como: em dezembro, quando a história do assédio surgiu, as eleições já tinham se realizado.

Carlos Brickmann é jornalista. E-mail: [email protected]