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Poder e corrupção

02 de Julho de 2020 às 00:01

Poder e corrupção Crédito da foto: Divulgação / jusbrasil.com.br

Cladis Sanches Lopes

Tema atual é o da corrupção, que grassa no país, dado a conhecer, diariamente, pela mídia em geral. É de bom alvitre, pois, que se recorde a famosa frase de Lord Acton: “O poder corrompe e poder absoluto corrompe absolutamente.” (sic).

Cumpre discutir o acerto ou não dessa frase, já que não é o poder que corrompe, mas sim aquele que o detém, podendo, dessa forma, corromper ou ser corrompido, numa verdadeira via de duas mãos. Daí se dizer que a corrupção é via bilateral, já que não há corrupto sem a existência do corruptor.

De outro lado, a frase contém caracteres verdadeiros em sua essência, eis que se o poder for limitado o grau de corrupção se torna, também, limitado, ou mesmo reduzido. Se o poder for absoluto, a corrupção tenderá a ser absoluta. Bom de se lembrar, no que tange ao poder, que: “É experiência eterna que todo aquele que detém o poder tenta usurpar dele até que se lhe oponham limites.” (Montesquieu).

Desse brilhante enunciado surgiu o tripartidarismo do poder, ou seja, o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário, adotado pelas nações democráticas. A nossa Constituição Cidadã de 1988 os adotou, nos moldes delineados no Título IV, capítulos I a III.

São os chamados Poderes de Estado.

O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal); compete-lhe, entre outras funções, legislar (elaboração das leis) e fiscalizar o Poder Executivo.

O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, que governa o país com o auxílio dos Ministros de Estado por ele nomeados; compete-lhe a conversão da lei em ato individual concreto (função administrativa).

O Poder Judiciário é exercido pelo Supremo Tribunal Federal (guardião da Constituição), Tribunais Superiores e Magistrados dos Estados, do Distrito Federal e Territórios; compete-lhe a aplicação coativa da lei aos litigantes (função judicial).

Harmônicos e independentes, com suas funções reciprocamente indelegáveis, esses Poderes atuam de forma a atender, primacialmente, aos interesses da população, com vistas a se alcançar, num primeiro momento a paz social e como objetivo maior a felicidade do povo.

Salvo exceções previstas na Constituição, é defeso a qualquer desses poderes delegar atribuições; vale dizer, assim, que quem estiver investido na função de um deles não poderá exercer a de outro. Eis aí, em suma, a organização da administração do Estado Soberano, congnominado, também, de Estado Democrático e de Direito, onde os poderes agem de forma independente e harmônica, inexistindo, assim, a figura da subordinação.

Narra-nos, contudo, a história que nem sempre, porém, esses poderes agem de forma independente e harmônica, já que, muita vez rompendo as raias de sua limitação, um poder tenta absorver as funções de outros, tornando-se, assim, Poder Absoluto, quando subjuga os demais.

Há dois aspectos gerais pelos quais um governo se degenera: quando se concentra ou se dissolve. Na concentração dos poderes temos o surgimento da figura do soberano ou ditador. Quebra-se a estrutura do Estado de Direito, repelindo-se a sua organização administrativa. Destrói-se o Estado Democrático, corroendo e exterminando os anseios dos cidadãos livres. Pior, ainda, quando a concentração do poder se dá por atos de corrupção, ou seja, o corruptor chama a si as funções dos demais poderes por via do aliciamento, nas suas mais variadas formas, e de forma velada, isto é, há, apenas, a aparência da independência dos poderes; no entanto, o que, efetivamente, existe é a subserviência do corrupto, que se entrega aos devaneios propiciados pelo ato do corruptor, entregando-se-lhe parte ou todo o poder que detém, em prejuízo da decantada independência dos poderes.

Urge que se diga, à luz dos ensinamentos de Rousseau, que quando os membros de um poder usurpam, separadamente, dos demais poderes, ensejarão, via-de-regra, o surgimento da desordem. Com a desordem virá o abuso do poder e, por via de conseqüência, a anarquia, culminando com a dissolução do Estado, com resultados nefandos ao seu povo.

Ao usurpador dos poderes, por atos de corrupção ou não, dá-se o nome de tirano. Resta, dessarte, ao povo a esperança de que, embora verdadeira a frase de Lord Acton, o binômio poder e corrupção esteja distante, em muito, da nação em que vive. O mesmo se diga em relação ao tirano.

Casos há, contudo, que só a esperança não basta para extirpar o risco latente nas ações do usurpador; há de se adotar medidas efetivas e rápidas de forma a sobrestar essas ações, em benefício da consistência do Estado Democrático e de Direito. Casos há, também, quando um dos poderes, por decisão monocrática de um de seus membros, perquirir ou adentrar às raias de outro poder, tentando descaracterizar ou anular atos deste poder, com risco à segurança nacional, dever-se-á, indubitavelmente, atentar às disposições do artigo 142 da Carta Magna Nacional, a Constituição Cidadã de 1988, a fim de obstar esse ato e recompor a paz entre os poderes.

Por outro lado, deve o povo manter-se, sempre, vigilante, especialmente quando for eleger um seu representante, extirpando, de vez, esses usurpadores travestidos de corruptores, sem se esquecer, também, dos corruptos, que a eles se equiparam. Pense nisso.

Cladis Sanches Lopes é advogado, escritor e professor universitário.