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Perigo real imediato

01 de Junho de 2019 às 00:01

Perigo real imediato Crédito da foto: Vanessa Tenor

Edgard Steffen

Secretaria da Saúde confirma primeiro caso de sarampo em Sorocaba

(C. do Sul -- 24 de maio de 2019)

O sarampo não dava as caras por aqui desde 1999. Passados 20 anos reaparece num menino de 7. A boa notícia: o menino já está bem. A Vigilância à Saúde deve ter esclarecido se o caso é autóctone ou importado. Para desavisados parece frescura saber se ele foi infectado dentro do município ou foi buscar sua doença lá fora. Parece mas não é. Existem medidas efetivas -- diferentes nas alternativas apontadas -- de evitar que a infecção se propague.

A Vigilância à Saúde funciona bem, independentemente dos problemas da assistência médico-hospitalar do SUS. Aviões a jato cruzando ares e modernos navios cruzando mares levam vírus e bactérias letais de um lado para outro, numa rapidez jamais imaginada nos séculos precursores ao 20. Em compensação, temos vacinas, antibióticos, antivirais e os recursos diagnósticos são de altíssima sensibilidade e fidelidade. Sem contar a telecomunicação instantânea para rastrear as andanças dos agentes etiológicos. A OMS consegue identificar as cepas desses patógenos, o trajeto dos contaminados e prever a geração de brotos epidêmicos. Em países bem governados, o correto uso dessas informações pode abortar epidemias.

A maioria dos casos de sarampo no Brasil ocorre na Amazônia, como epifenômeno do caos político que assola a Venezuela. Como “desgraça pouca é bobagem”, doenças preveníveis por vacina juntam-se à hiperinflação, fome e desemprego no país que, antes de “amadurecer”, era o mais rico da América do Sul.

Pode uma doença infectocontagiosa destruir uma nação? A resposta é afirmativa. Que o digam as nações ameríndias dizimadas pelas doenças (gripe, sarampo, varíola entre outras) trazidas pelos europeus pós-colombianos.

Hipócrates não menciona o sarampo em seu tempo. As primeiras notícias datam dos séculos iniciais da Era Cristã. A primeira descrição é atribuída ao médico árabe Ibn Ralz (860 -- 932 dC). Combinado com varíola e varicela, o sarampo foi uma das causas da queda do Império Romano. A mortalidade nos territórios ocupados fez cair a arrecadação dos tributos e fragilizou a defesa de Roma ante os bárbaros.

No apogeu, o Império Romano construíra 400 mil km de estradas (viae), das quais 80.500 km eram calçadas. Tinham sistema de drenagem e, a cada 1.460 metros, miliários* indicavam a distância em relação ao Fórum Romano. Daí a máxima “Todos os caminhos levam à Roma”. As mesmas viae que facilitaram o deslocamento das legiões para dominar o mundo conhecido, facilitou o deslocamento das caravanas de mercadores, das gentes e das epidemias que abalariam a própria Roma.

A primeira vacina antissarampo surgiria no século 20. Antes dela, muitos achavam “natural” seus filhos pegarem a doença. Muitas famílias perderam filhos por tê-los expostos voluntariamente ao contágio.

Médicos antigos não precisavam de exames de laboratório. As manchas vermelhas morbiliformes em crianças com febre alta e sintomas respiratórios intensos (conjuntivite, coriza e tosse persistente) levavam à hipótese sarampo. O encontro de lesões puntiformes cercados por área esbranquiçada nas bochechas (sinal de Koplick) permitiam o diagnóstico de certeza. Hoje provas imunológicas são usadas na confirmação dos casos.

As campanhas de imunização permitiram a erradicação da doença no País. Isolada ou associada a outras, a vacina contra sarampo é bastante segura e eficaz na prevenção dessa grave moléstia. Pena que o descaso e as fake news atrapalhem a cobertura vacinal necessária. Em 1998, a revista Lancet publicou artigo fraudulento tentando relacionar vacinas com autismo. Quando os editores perceberam a inconsistência e má-fé da pesquisa, retiraram a edição da circulação. Mas o estrago já estava feito. Sobrevive nas fake news disseminadas nas redes sociais.

Não espalhe mentiras! Vacinas não matam nem causam mal pior que a doença a ser prevenida. Converse com seu pediatra.

(*) -- Marcos de pedra com inscrições orientadoras

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve para o Cruzeiro do Sul -- [email protected]