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Perfeitos latino-americanos

14 de Dezembro de 2018 às 09:37

Ilustração: Vanessa Tenor

Os novos presidentes do Brasil e do México são tão diferentes, e as vezes tão parecidos. Pra começar, Jair Bolsonaro e Manuel López Obrador (conhecido pelo apelido Amlo) vem de espectros políticos claramente opostos. Geografia e História os colocaram um muito longe e o outro muito perto de Donald Trump, o que ajuda a entender também as diferenças entre ambos de percepção -- e aceitação -- daquilo que faz o presidente americano.

Bolsonaro e Amlo começam a governar com cacifes políticos diferentes. O brasileiro terá de atuar dentro de um sistema de governo conhecido como “presidencialismo de coalizão”, que obriga o chefe do Executivo a se entender de alguma maneira com o Legislativo. O mexicano já assumiu na invejável posição de comandar um partido forte (que o brasileiro não tem) dono de consistente maioria no Congresso e de importante número de governos estaduais.

Ambos -- Bolsonaro e Amlo -- são fenômenos políticos notáveis. Na memória política recente do México nunca houve tanta concentração de poder político como a que acaba de ser conquistada pelo atual presidente. Na memória política recente do Brasil não houve uma virada política tão pronunciada como a que se registrou nas eleições de outubro.

Mas é a plena consciência que tanto Amlo como Bolsonaro exibem de sua condição de fenômenos políticos que os faz começar a agir do mesmo jeito. Bolsonaro e Amlo foram percebidos como forças políticas capazes de “mudar o sistema”. Nesse sentido, pouco importam as notórias diferenças ideológicas: a mensagem central que Bolsonaro e Amlo empregaram com êxito foi dizer que a política não será mais como antes.

Ambos estão fascinados pelo que identificam como a possibilidade de “falar diretamente” com o eleitor (ou o povo, a sociedade, o País, como se quiser). Amlo assumiu no começo do mês e já deu uma demonstração do que entende por diálogo direto. Organizou como presidente eleito uma espécie de plebiscito no qual o “voto popular” optou por encerrar um gigantesco projeto de infraestrutura, um novo aeroporto junto da Cidade do México, no qual já haviam sido enterrados US$ 13 bilhões.

Ao ser diplomado no começo da semana, Bolsonaro soltou a frase que parece mesmo orientar boa parte de seu pensamento político (pois não foi improvisada): o poder popular não precisa mais de intermediação, à medida em que novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes. É irresistível a tentação de julgar que o capital político acumulado na expressiva vitória eleitoral não só pode, mas “deve” ser transformado num instrumento de governo, por sua vez entendido como a concretização da “vontade popular” sem atravessadores.

Apenas como exercício teórico, vamos ignorar aqui os obstáculos institucionais, legais ou de coordenação política -- no México como no Brasil -- que inevitavelmente retardam, modificam ou mesmo impedem que se realize essa “vontade” direta, sem intermediação. Os fenômenos políticos de Amlo e Bolsonaro são em boa medida apostas contra o tempo, ou seja, eles não desfrutarão do prazo que esses mandatários gostariam de dispor para responder aos anseios de transformação, mudança e destruição do “sistema” que os levaram ao poder -- fora o resto.

Não sei com que olhos Amlo e Bolsonaro enxergam um colega que os antecede por uns dois anos no posto, Mauricio Macri, da Argentina. Lembram-se? Ele também foi festejado como um fenômeno político relevante dado “el cambio” que representou ao se eleger As reformas pretendidas por ele pararam a meio caminho. O sucesso político também. Será que Macri não foi “direto” o suficiente?

William Waack é jornalista da Agência Estado e escreve para o Cruzeiro do Sul.

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