Pequeno Grande Homem
Crédito da foto: Vanessa Tenor
Edgard Steffen
Quem encontra um amigo encontra um tesouro.
(Adágio da sabedoria popular)
Na mocidade, gostava de jogar futebol. Sei porque me contou. Nunca o vi jogar. Não o escalaria goleiro, zagueiro central ou centroavante. Por sua estatura teria de contentar-se com posições cerebrais do meio de campo ou posições velocistas como a lateral ou a ponta. Sempre de direita. Por seu temperamento, nos jogos da vida e dos empreendimentos tanto era cerebral como velocista. Em nosso convívio, muito me ensinaria. Eu já o conhecia desde a mocidade, mas não o contava entre meus relacionamentos. Sorocaba dos anos 50 era uma pequena grande cidade. Todo mundo se conhecia. Nossas noivas eram amigas e quase vizinhas.
Na mocidade, muito fácil fazer amizades. Encontramo-las nas escolas, clubes, repartições, passeios, bailes, etc. Na maturidade, firmados os círculos familiais, profissionais, religiosos e políticos, mais difícil o encontro de novos relacionamentos fraternos. A maturidade dá razão ao aforismo “Quem encontra um amigo encontra um tesouro”.
Morávamos no mesmo condomínio vertical mas, envolvidos nas respectivas profissões, pouco nos víamos ou falávamos. No 1º Seminário de Treinamento para Presidentes e Secretários do Distrito Rotário fomos companheiros de cela na Vila Kostka (Mosteiro de Itaici, Indaiatuba, SP). Ele, advogado empresário, ensinava administração da tesouraria. Eu, médico, discorria sobre o exercício da presidência dos clubes rotários. Voltamos a nos encontrar, em Aracaju (SE). Eu em férias com a família, ele acompanhando as filhas empresárias numa exposição do ramo de confecções.
Agregador, quando um cliente o presenteou com enorme tambaqui, mandou prepará-lo e convidou seus vizinhos para saborear o delicioso peixe da bacia Amazônica. O ágape, entremeado de bate-papos, acabou transformando vizinhos em amigos. A partir desse episódio, o condomínio onde residíamos ficou conhecido pelo bom relacionamento entre os moradores e pelas happy hours.
Generoso, transformou a sede de sua chácara e o apartamento do Guarujá num espaço de convívio com os mais chegados. Para se conhecer um amigo, devemos juntos percorrer caminhos de muitas milhas. Com ele, e os vizinhos mais próximos, visitamos New York, cruzamos os Andes do Chile para Bariloche, alugamos acomodações para férias em Campo de Jordão e na Riviera de São Lourenço.
Cidadão benemérito, exerceu advocacia, deu aulas na Fatec, colaborou na reorganização do Clube de Campo Sorocaba, foi empresário na indústria têxtil, administrou imóveis, criou bairros. Participou do movimento rotário. Acolheu intercambistas. Não foi santo mas, por enxergar longe, devolveu a visão a milhares de pessoas, ao trabalhar na criação do Banco de Olhos. Foi o 1º presidente da entidade que viria a ser campeã internacional na colheita de córneas.
Você já percebeu que me refiro ao cidadão/amigo José Archimedes (assim mesmo com ch, como se escrevia antes do acordo ortográfico de 1931).
Religioso ecumênico, granjeou amigos entre evangélicos, espíritas, agnósticos. Militou nos Cursilhos da Cristandade, nos Encontros de Casais com Cristo e outros movimentos ligados à fé que professava. Fez amigos entre sacerdotes. A dificuldade física não o impedia de ir às missas.
A idade e o Parkinson roubaram-lhe a saúde. Lúcido até o fim, lutou como pôde contra insidiosa moléstia que lhe roubava os movimentos. Quando o Senhor o chamou, estava em seu lar cercado pelo carinho da esposa, de um cuidador e de um casal amigo.
José Archimedes de Paula Santos
(22/03/1929 23/02/2019)
Requiescat in pace
Edgard Steffen é médico pediatra e escreve para o Cruzeiro do Sul - [email protected]