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Os vícios de linguagem na fala brasileira

29 de Março de 2019 às 08:20

Se as figuras de linguagem embelezam a criação artística, os chamados vícios de linguagem empobrecem o idioma, comprometem a comunicação e denunciam que o falante desconhece aspectos básicos da gramática. Essa questão está presente na coloquialidade brasileira, fortemente marcada pela espontaneidade, algo que resulta em expressões confusas, obscuras, repetitivas e deselegantes. Embora combatidos pelos especialistas, tais deslizes são contínuos, tanto na fala quanto na escrita. Isso porque há uma cultura equivocada que tolera o erro e despreza o acerto.

Nesse contexto, o Pleonasmo é o que mais comparece nos discursos diários, em que ouvimos: “subir lá em cima”, “descer lá embaixo”, “entrar pra dentro”, “sair pra fora”, “torcicolo no pescoço”. Desse rol, a expressão “elo de ligação”, frequente nas desculpas dos técnicos esportivos, precisa de uma explicação, pois a palavra “elo” (sozinha), segundo os dicionários, já traduz uma ideia de ligação. Logo, tal construção é “chover no molhado”.

Também é desnecessário dizer: “almirante da Marinha”, pois é só na Marinha que temos a figura do almirante. O mesmo equivale para “tartaruga-marinha”, pois essa espécie de réptil, em tese, só é encontrada no mar. A língua registra, ainda, “cágado” (com acento, por favor), que vive tanto em água doce quanto na terra, e “jabuti”, extremamente terrestre.

A Ambiguidade também merece atenção, já que, em muitos casos, torna-se uma verdadeira armadilha em contextos como: “Comprei o livro da Lilica”, em que não se sabe, exatamente, se o sujeito se refere a uma escritora ou uma vendedora de livros. Ou ainda somos levados a supor que Lilica pode ser a personagem de uma série. Há quem diga que Lilica recebeu o livro de presente de aniversário.

O mesmo se dá em: “Pablo disse a Olívia que saiu com sua irmã”. Frases desse tipo podem até causar divórcios, pois a irmã com quem Pablo saiu, afinal, é dele ou de Olívia? Para quem acha que isso é tudo, a situação piora quando alguém diz: “O cachorro do seu irmão atacou minha irmã”. Se não houver um contexto anterior, ficamos com a primeira impressão: um pedófilo miserável atacou uma indefesa garotinha. Mas, pode ser um cachorro feroz que escapou da corrente.

Além dos casos acima, o Barbarismo, erro grosseiro cometido tanto na fala quanto na escrita, não poderia ficar de fora desta análise, pois tal desajuste é um drama para quem ensina norma culta a uma sociedade que não valoriza a própria língua. Tanto que, para a maioria dos falantes, a forma indevida ‘mortandela’ é mais aceita do que a escrita correta ‘mortadela’. Situação que evidencia um conceito: “quem fala errado repete o erro na escrita”.

Assim, muitos pronunciam ‘estrupro’, no lugar de ‘estupro’ ou, ainda, ‘cidadões’, quando o correto é ‘cidadãos’. Também não devemos dizer ‘rúbrica’, quando o correto é ‘rubrica’, sem acento, para que não haja o deslocamento da sílaba tônica, a Silabada. No entanto, tais erros crassos não partem apenas do povo, pois até ministros massacram nosso idioma.

Para finalizar: há frases que, simplesmente, não entendemos a mensagem, porque o arranjo está confuso ou, então, contém termos desconhecidos (arcaísmos e neologismos). O arranjo extraído da internet: “Foi evitada uma efusão de sangue inútil” (Em vez de “efusão inútil de sangue”), é um exemplo de como uma simples inversão de vocábulos pode gerar alguns constrangimentos. Além disso, períodos longos, hipérbatos (inversões de frases) e ausência de pontuação ou acentuação contribuem para que a confusão se estabeleça em vários níveis. Esse assunto, por instigante, não se esgota neste artigo. No próximo, focaremos outros casos. Até lá!

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa Nossa língua sem segredos, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h.