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Os segredos da redação nota mil -- parte final

02 de Agosto de 2019 às 00:01

João Alvarenga

Quando o assunto é dissertação -- argumentativa ou expositiva --, sempre surge a peculiar indagação: afinal, quais são as funções dos conectivos? Isso será respondido, ao longo deste texto, como forma de facilitar o entendimento dessa importante questão tão observada nas provas de redação dos principais vestibulares do país (Fuvest, Unesp, Unicamp), além do disputadíssimo Exame Nacional do Ensino Médio -- o temido Enem.

Inicialmente, é interessante observar que os conectivos são ferramentas linguísticas que permitem que haja uma relação clara entre as ideias expostas no texto. Em outras palavras, garante a “coesão textual”, ou seja, a harmonia entre as partes de um todo do texto. Tanto que a 4ª competência do Enem requisita que o candidato seja capaz de “demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.” Tradução: saber manipular, adequadamente, o uso das conjunções (coordenadas ou subordinadas) e, também, das locuções conjuntivas -- tanto no início dos parágrafos quanto no corpo dos períodos compostos.

A fim de frisar esse aspecto, os professores de redação recomendam que, na prova do Enem, os candidatos devam inserir de 11 a 22 conectivos ou, então, elementos equivalentes, ao longo de toda a redação. Se isso é contado, não se sabe; mas, o ideal é não vacilar. Claro que isso deve seguir a um rígido critério técnico, para não repetir conectivos ou, então, cair na cilada de fazer uso de um elemento anafórico equivocado. Isso é muito comum quando o aluno não tem o hábito da escrita. Não basta apenas lançar mão de algo aleatório, na tentativa de agradar a banca examinadora, é preciso ter noção do que fazer com tais estruturas textuais.

É mister que se diga, ainda, que essas palavrinhas mágicas, tais como: “mas”, “portanto”, “haja vista”, “em síntese” (entre tantas outras) são bem-vindas não só em dissertações, mas também em artigos de opinião, editoriais, resenhas e cartas. Assim, é evidente que todos os vestibulares, independente do gênero, requisitam uma boa articulação das ideias, por meio dos seguintes elementos: conjunções, preposições, pronomes demonstrativos, pronomes relativos, pronomes pessoais, anáforas, catáforas, advérbios ou as locuções e suas variantes.

Naturalmente, um leitor um pouco mais atento, com certeza, já constatou que essas estruturas também transitam em textos narrativos, com muita naturalidade, principalmente entre as obras do Realismo e Naturalismo, já que tais produções trazem à tona o chamado “romance de tese”. Lembrando: os autores desse momento literário, final do século 19, tomados pelo espírito do Cientificismo, abordavam assuntos polêmicos sobre a sociedade daquela época. Ou, então, tentavam provar um determinado ponto de vista, por meio de uma argumentação desenvolvida ao longo da história. Machado de Assis era gênio nesse quesito.

Assim, nada mais natural que os chamados textos opinativos lancem mão dessas ferramentas linguísticas disponíveis na Língua Portuguesa, a fim de garantir: 1) organização coesa das ideais, com fluidez do pensamento crítico; 2) progressão temática dos argumentos expostos; 3) retomada ou contestação das ideias defendidas nos parágrafos anteriores; 4) indicar ao leitor o posicionamento ideológico adotado pelo redator frente ao tema proposto; e, 5) ratificação da tese (no caso da Fuvest) ou, então, sustentação de uma solução plausível e pragmática (no modelo Enem).

Portanto, o uso racional desses elementos, com consistência argumentativa, traduz aquilo que chamam de redação autoral. Assunto da próxima quinzena: o fascínio da etimologia. Até lá!

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa Nossa língua sem segredos, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h.