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Os rescaldos do Pisa (parte 2)

03 de Janeiro de 2020 às 00:01

João Alvarenga

Na última quinzena, ao analisar o baixo desempenho dos alunos brasileiros no Pisa/2018 (exame que mensura as habilidades dos estudantes de 79 países), centrei minha atenção em alguns aspectos técnicos, a fim de tentar encontrar as causas para tamanha dificuldade que nossos jovens enfrentam para interpretar um simples texto impresso. Hoje, farei uma breve reflexão sobre as questões ideológicas que envolvem a Educação em nosso País. Porém, é mister salientar que tal enfoque passa longe da defesa de qualquer bandeira político-partidária.

Antes, relembro que estudos preliminares, desenvolvidos por especialistas de diversos países, apontam o que muitos já sabem: o contato excessivo com o mundo digital sedimenta a tese do filósofo polonês, Zygmunt Bauman, sobre a “sociedade líquida”, ou seja, neste século, tudo é dispersivo, transitório e efêmero. No ambiente escolar, o cenário é caótico: os smartphones disputam a atenção dos adolescentes o tempo todo. Assim, nada fica armazenado no cérebro, porque há uma contínua dispersão que prejudica a concentração. Segundo os cientistas, a fixação e análise de conteúdos são danificadas, pois as conexões neurais são interrompidas, freneticamente, sem que haja uma continuidade no processo de aquisição da informação.

De certo modo, é possível fazer analogia entre as conclusões obtidas pelos pesquisadores sobre os riscos que o uso excessivo da internet representa aos imberbes e a carência de um projeto político-pedagógico para nossa educação pública. Traduzindo: do mesmo modo que o cérebro de um estudante pode ser danificado, devido à conexão abusiva, o sistema educacional brasileiro também se torna vítima da falta de um modelo educacional robusto e perene.

No entanto, quando os resultados vieram à tona, ao invés das autoridades assumirem o ônus da culpa, muitos gestores tentaram justificar o injustificável. Aos pais, desculpas não convencem, o importante é que, a partir desse crítico diagnóstico, os responsáveis elaborem uma ação duradoura para reedificar a educação. Ponto de partida: ouvir a sociedade sobre que tipo de educação o País deseja às futuras gerações?

Tal enquete deve passar longe do populismo, pois os políticos estão cientes de que o ensino público está ruim (o Enem mostra isso); mas, tem-se a impressão de que as medidas, quando anunciadas, parecem marketing político, com vistas à reeleição, sem que haja verdadeira intenção de mudança qualitativa. Os projetos, às vezes, soam como mera experiência de algum “pedagogo de plantão”, sem a real percepção da realidade brasileira, o que torna o sistema educacional um constante laboratório de fórmulas fadadas ao fracasso, e os alunos, meras cobaias.

Assim, já se tentou de tudo na educação brasileira e, a cada tentativa, míngua a qualidade, e a frustração aumenta. Dentre as propostas, a progressão continuada tem sido alvo de inúmeras críticas de inúmeros educadores e de autoridades da área. No entender de alguns especialistas, tal método promove o aluno para a série seguinte, sem o devido aprendizado, pois há a esperança de que o contemplado recupere a defasagem ao longo da vida escolar. A queixa recai sobre a ausência de mérito, o que desestimula aqueles que desejam levar os estudos com seriedade.

Destarte, essa é uma questão muito delicada, pois esbarra em vários pontos a serem observados, os quais requerem uma análise criteriosa, para qual não estou qualificado. Assim, como salientei, ao longo deste artigo, é necessário que haja um amplo debate sobre os destinos do ensino público, porque o privado convive com outra realidade e aceita menos ingerência de ordem política. Assunto da próxima quinzena: a arte de interpretar textos.

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa “Nossa língua sem segredos”, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h.