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Os passageiros do voo à Cruz de Malta

18 de Agosto de 2020 às 00:01

Os passageiros do voo à Cruz de Malta Crédito da foto: Arquivo de Família / Arte: VT

Vanderlei Testa

O meu último artigo no Jornal Cruzeiro do Sul trouxe o primeiro capítulo sobre a “Sorocaba Doce”. Hoje vou contar de 1950 a 1974 o voo dos passageiros espanhóis e portugueses à Cruz de Malta.

A fábrica de doces da Vila Assis, desde a década de 40, deixou crianças felizes de tanto comer as deliciosas guloseimas que, agora adultos, se lembram com saudades.

No último dia 11 de agosto, deixei na história um vácuo de 24 anos, sem entrar nos detalhes dos personagens que construíram essa importante fase da industrialização de Sorocaba nestes 366 anos.

Convido o leitor a participar desta nova aventura de dois desbravadores, o português Manuel Teixeira Patrício e o espanhol Francisco Sanches Lopes.

O português Manuel Teixeira Patrício nos anos de 1930 saiu de Taboeira, província de Cantanhede, para criar uma nova vida no Brasil.

Os seus 21 anos de idade estavam cheios de sonhos ao desembarcar no Porto de Santos. Veio sozinho, deixando a sua mãe viúva em Portugal. Manuel tinha concretizado a sua juventude com os desafios de vender tecidos nos vilarejos portugueses.

Sua irmã Maria tinha vindo morar no Brasil e incentivou a sua permanência no país, naquela época com oportunidades aos imigrantes portugueses.

Em São Paulo, foi em busca de trabalho, conseguindo seu primeiro emprego na cidade de Cubatão. De lá, retornou à capital São Paulo para iniciar mais uma experiência em padaria e armazéns.

Aprendeu rápido e seguiu com o seu negócio em comércio varejista de alimentação. Manuel tinha 27 anos de idade quando o seu futuro cunhado Francisco o convidou a conhecer Sorocaba.

Nas suas andanças pela cidade, uma jovem do bairro Parada do Alto tocou forte o seu coração. Ela tinha 16 anos e chamava Maria Josepha Sanches.

O amor à primeira vista entre o Manuel e a Maria concretizou um namoro e casamento em seis meses. Decidiram morar em São Paulo pelas perspectivas de trabalho no comércio que necessitava de mão de obra jovem.

Com os anos seguintes trazendo os filhos ao casal, dois meninos e uma menina, Fernando, Celina e Manuel, a realidade familiar clamava mudanças.

Em uma época marcante para o mundo, em 1945, final da Segunda Guerra Mundial, Maria e Manuel arrumaram as malas e vieram morar em Sorocaba.

Com os recursos de suas economias diárias, em 1950 arriscaram tudo no aluguel de uma pequena fábrica de doces, que havia no fundo de um terreno no centro da cidade.

Essa decisão de empreender só foi possível com a união societária do espanhol Francisco Sanches Lopes, que trabalhava em uma fazenda na cidade de Cotia, e era irmão da Maria Josepha.

A ousadia dos cunhados foi decisiva na história de uma das mais tradicionais fábricas e distribuidoras de doces de Sorocaba. Junto com a alegria da sociedade e paternidade, Manuel festejou com a Maria à chegada do quarto filho Hélio Teixeira Patrício.

Visionários, Manuel e Francisco colocaram os filhos e primos, Armando Patrício e José Sanches Martins (Zeca) na sociedade. A arrancada nos negócios levou os sócios a comprar uma área na Vila Assis.

Nascia uma grande empresa. Com trinta caminhões e noventa funcionários (ver vídeo inédito no www.blogvanderleitesta.com), foram em frente com a marca do pássaro beija-flor até que uma indústria de chocolate do Estado do Espírito Santo requereu o domínio do nome de sua propriedade.

A filha Celina, do Manuel, que gostava de desenhar, criou os rabiscos em traços de lápis da nova marca De Malta. Católicas, as famílias de Manuel Patrício e Francisco Sanches buscaram inspiração na Cruz de Malta.

E, com essa cruz abençoada, a fama dos doces De Malta produzidos em Sorocaba permaneceu por décadas no mercado. Ainda hoje encontramos nos arquivos da família os rabiscos que a Celina e sua filha Isabel Cristina mantêm em sua casa.

Os pedidos eram tantos nos anos 60, contou Zeca Sanches, que ele precisava comprar mais produtos de distribuidoras em São Paulo para dar conta da demanda.

Um fato expressivo entre as famílias dos cunhados Manuel e Francisco, é que nessa época, em 13 de agosto de 1955, o filho do Francisco, José Sanches Martins (Zeca) se encantou por uma moça na produção de doces.

A Ivone Ciccarell tinha 14 anos. Apaixonados, namoraram e casaram em 26 de dezembro de 1959. Hoje, Ivone e José Sanches já completaram 60 anos de matrimônio, tão doce quanto às cocadas do Beija-Flor e De Malta. São pais de dois filhos: José Otávio Sanches, casado com a Roseli Paulin Sanches, e o Francisco Carlos Sanches, casado com a Edilene Miguel Sanches. Avós de Thalita, Mateus e Marcella e Murilo. Felizes bisavôs da Rafaela.

Em 1974, Manuel, Francisco e os filhos venderam a De Malta.

A próxima inspiração foi montar uma loja de materiais de construção, em sociedade do Manuel com o sobrinho José Sanches Martins (Zeca).

Deu origem a Patrício & Martins na rua Sete de Setembro e, posteriormente na avenida General Carneiro. Anos depois, a sociedade ficou com o casal José Sanches Martins e Ivone Ciccarelli Sanches, até 2004, encerrando as atividades na aposentadoria de ambos.

O fato triste da linda história de Maria e Manuel aconteceu em 1988 em Sorocaba. Em passeio de carro na rua Chile, cruzamento da avenida Nogueira Padilha, houve um acidente automobilístico e o casal Maria e Manuel veio a falecer.

Hoje os filhos e netos se orgulham em contar a sua ascendência portuguesa, que brotou como uma semente regada pela doce existência do Manuel Patrício e do amor da Maria Josepha Sanches. E a família do espanhol Francisco Sanches, na convivência amorosa e cristã de gerações.

Vanderlei Testa jornalista e publicitário escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.blogvanderleitesta.com e www.facebook.com/artigosvanderleitesta