Os heróis da resiliência
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Leandro Karnal
É conceito da moda. Usam em encontros motivadores. Na Física, é a volta à forma original após uma deformação. O termo se origina da capacidade de ricochetear, de saltar novamente. Por extensão, usamos para falar de quem sofre pressão e consegue manter seus objetivos.
Uma pessoa resiliente ideal teria três camadas. Na primeira, suporta: recebe o golpe sem desabar. Ouve a crítica e não “desaba”, vive a frustração sem descontrole, experimenta a dor e continua de pé. A primeira etapa da resiliência é administrar o golpe, o revés, o erro, a decepção. O tipo ideal que estamos tratando sabe a extensão da dor, mas se considera (ou é de fato) mais forte do que as ondas das adversidades.
O segundo estágio é a recuperação/aprendizagem. Combinam-se os dois conceitos. Sinto o golpe, não desmonto (fase um) e ainda recupero a posição anterior ao golpe com o acréscimo de algo novo. Toda dor contém sua lição. Ninguém duvida disso. O resiliente consegue aprender com o golpe sentido.
O terceiro momento do modelo perfeito é a ressignificação da estratégia e da consciência a partir do aprendizado. O tipo aqui descrito nunca se vitimiza, mesmo se for a vítima. Não existe lamúria ou sofrimento para o mundo. A dor existe foi sentida, houve reação com aprendizado e dele surgiu um novo ser, mais forte e mais sábio.
É bom descrever tipos perfeitos. Quase sempre são inexistentes. São como a biografia de santos medievais: sem falha, diamantes sem jaça; modelos e, como tal, inatingíveis. Existe um propósito didático de mostrar a perfeição para nós que chafurdamos no lodo da existência banal. Todos temos graus variados de resiliência diante da vida. Ninguém é o tipo ideal. Uma coisa não invalida a outra.
Etapa um: recebi um golpe. Resisto? Eu já resisti a vários e já desabei com outros. Depende da força e do tipo do agressor. Sou ótimo com debates entre inimigos. Desabo quando a estocada é de alguém de confiança. Sou forte com os dardos adversários. Fragilizo-me com fogo amigo. Como um jacaré, tudo que ataca pelo casco duro e externo é recebido com certa indiferença. O baixo-ventre é liso e vulnerável.
Etapa dois: a aprendizagem sempre existe, porém, é comum que venha com dor e mágoa, produzindo amargor quase infindo. Mais do que uma lição é uma ferida aberta que me deixa com menos ousadia, com trauma, com medo. Algumas dores provocam medo apenas. Não saio melhor, emerjo mancando e gemendo, teatralmente
Última etapa do resiliente clássico: eu tenho momentos de aguda vitimização. Parece que a exposição teatralizada da dor é um tipo específico de grito de socorro que lançamos ao círculo íntimo. O versículo de tais ocasiões é o das Lamentações de Jeremias: “Ó vós todos que passais pelo caminho, parai e vede se há dor semelhante à minha dor” (Lm 1, 12). Eu quero que me vejam e que lamentem muito, reconhecendo a extensão atroz da minha tragédia única. A pena alheia serve como um pífio consolo, todavia é o que temos para o momento. Como carpideiras, chorem todos e todas pela minha miserabilidade. Após seu choro, tendo comungado do vale de lágrimas, minhas feridas estão lá, agora com a diferença de serem públicas e lamentadas. Por vezes, só restam a autopiedade e a reclamação ao machucado.
Creio que existe algo entre os dois modelos: o da resiliência ideal e o da vontade de desistir ou de chorar apenas. Como narrativa de santos, o modelo perfeito serve como para indicar o ponto no qual não me encontro, porém devo reagir para almejá-lo. Sempre é bom ser resiliente e todos os palestrantes e livros têm razão: sem resiliência em algum grau, épico ou homeopático, é impossível enfrentar o mundo.
Resiliência é virtude, sem dúvida. Está ao lado da sabedoria, do equilíbrio e da paz perfeita. São metas corretas, elevadas, estátuas de deuses gregos em comparação com meu corpo de gorduras muito bem localizadas e com usucapião. Devemos estudar, falar e incentivar o modelo perfeito de quem deveríamos ser. Precisamos pensar sobre quem somos de verdade, ou não haverá resiliência que dê conta da frustração entre o que gostaríamos e o que vivemos.
Oscar Wilde garantiu que, quando resistimos a alguma tentação, é porque ela era fraca. O doce não comido, o drinque recusado, a cantada evitada eram focos tênues que não me abalaram de verdade. Se fossem extraordinários, eu teria caído da minha fortaleza de virtudes. Talvez eu possa ser resiliente com as dores que, de fato, não me desestruturam. Posso até me orgulhar de ser mais forte do que outras pessoas em casos análogos. Mais interessante ressaltar minha virtude superior do que avaliar que aquela não era uma área sensível para mim.
O conto extraordinário de Kafka, “Um Artista da Fome”, fala de um homem com extrema resiliência para aguentar jejuns prolongados. Era um herói! Ao final, emitiu a verdade surpreendente. Ele não era um homem de vontade férrea, apenas nunca havia encontrado um prato que... o seduzisse realmente. Seu paladar nunca fora tentado. Creio ser a receita geral da resiliência: a serenidade diante das coisas que, na verdade, não nos atingiram. Esperança ajuda sempre.
Leandro Karnal é historidor e escritor.