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O terrorismo e a guerra em nada santa

15 de Novembro de 2020 às 00:01

Dom Julio Endi Akamine

Com dor e indignação, acompanhamos os atentados terroristas realizados por extremistas contra os cristãos e outras pessoas na França e em muitas partes do mundo. Mesmo com tristeza e a contragosto -- preferiria não ter que publicar artigo com este tema --, acho necessária uma reflexão sobre esses lamentáveis acontecimentos de nossos tempos.

O terrorismo é uma violação do respeito à vida e à integridade corporal da pessoa. Juntamente com o sequestro, a tortura, as mutilações e a esterilização, o terrorismo é contrário à lei moral como prática cruel, desnecessária e degradante (cf. CatIgCat 2297).

A violência do terrorismo atinge pessoas inocentes. O seu alvo são os lugares da vida cotidiana e não os objetivos militares. Em uma guerra declarada, as nações beligerantes ao menos devem seguir regras que tentam disciplinar os conflitos. O terrorismo, ao contrário, atua e ataca no escuro, fora de qualquer regra ou limitação do direito internacional humanitário.

A prática do terrorismo se tornou uma forma de guerra total. Nela não se poupa nada e ninguém. Tudo é atacado e destruído: o patrimônio cultural e espiritual, mulheres, crianças, doentes e velhos.

Por aterrorizar as pessoas, por usar esse terror para seus fins e por seu desprezo total à vida humana e ao contexto humano que a envolve, o terrorismo deve ser condenado de modo absoluto. Não há motivo que o possa justificar.

Além de instrumentalizar a vida humana para seus fins, o terrorismo tem instrumentalizado Deus e a religião. É uma profanação e uma blasfêmia justificar a ação terrorista com o nome de Deus. O terrorismo revela, nesse sentido, o orgulho e a soberba de quem presume possuir a verdade de Deus, em vez de procurar servir a ela. A Igreja e as religiões não abdicam da verdade, mas elas não a possuem, antes se esforçam em estar na verdade e em buscá-la sempre. A verdade não se possui, é ela que nos possui. Exatamente por isso nos faz livres.

Outra condenável instrumentalização da religião é a atribuição do nome de “mártires” aos que morrem para executar atos terroristas. Isso é distorcer o conceito de martírio. O mártir é aquele que se deixa matar para não renunciar a Deus. Não é quem mata em nome de Deus. O mártir dá a sua vida. O terrorista dá a morte aos outros.

Além disso, o martírio nunca deve ser buscado diretamente. A Igreja sempre reprovou os “cristãos” que provocavam o próprio martírio como uma atitude soberba de desprezo pela salvação dos que perpetram o crime. O mártir nunca provoca o próprio martírio; só o aceita como preço a pagar pela sua fé sem desprezar ou odiar os que o matam.

Nenhuma religião pode tolerar o terrorismo, muito menos ainda apoiá-lo ou fazer propaganda dele. “O terrorismo execrável que ameaça a segurança das pessoas, tanto no Oriente como no Ocidente, tanto no Norte como no Sul, espalhando pânico, terror e pessimismo não se deve à religião -- embora os terroristas a instrumentalizem -- mas tem origem no acúmulo de interpretações erradas dos textos religiosos, nas políticas de fome, de pobreza, de injustiça, de opressão, de arrogância; por isso, é necessário interromper o apoio aos movimentos terroristas através do fornecimento de dinheiro, de armas, de planos ou justificações e também a cobertura mediática, e considerar tudo isso como crimes internacionais que ameaçam a segurança e a paz mundial. É preciso condenar tal terrorismo em todas as suas formas e manifestações” (Papa Francisco, Fratelli tutti, 283).

As religiões, pelo contrário, devem se empenhar em remover as causas do terrorismo e em promover a amizade entre os povos. É nossa tarefa não permitir que o nome de Deus seja usado para justificar o terrorismo nem que as nossas doutrinas, tradições, ritos e preceitos morais sejam manipulados ou sirvam de suporte ideológico para o terrorismo.

Movida unicamente pela fé, a Igreja Católica quer promover a unidade dos cristãos e uma fecunda colaboração com os fiéis de outras tradições religiosas. As diferenças religiosas não podem e não devem constitui causa de conflito: a busca comum da paz por parte de todos os crentes é um forte fator de unidade entre os povos.

Aos leitores do jornal Cruzeiro do Sul, desejo a paz de Cristo. Ele é a paz para este nosso mundo dilacerado pela “guerra mundial em pedaços” e ameaçado pelo terrorismo. A fé em Cristo não é fuga nem evasão dos problemas de nosso mundo. É sua superação! Cristo está presente em nossos dramas para nos conduzir à Vida em plenitude. A nossa passagem pelo vale de lágrimas para a alegria do Reino é sustentada e carregada por Jesus.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.