O tempo é superior ao espaço
Dom Julio Endi Akamine
O papa Francisco afirmou que “o tempo é superior ao espaço”. Fiquei surpreso e, ao mesmo tempo, intrigado com essa afirmação. Trata-se de um princípio existencial que pode ser entendido a partir da fábula japonesa de Urashima Taro.
Essa fábula foi popularizada no Brasil em 1964 por um comercial da Varig para promover a viagem aérea entre o Rio de Janeiro e Tóquio. A campanha foi produzida pela Lynxfilm e criada por Ruy Perotti. A música-tema era cantada por Rosa Miyake. A campanha publicitária interpretou a seu modo a fábula, mas aqui a conto brevemente e proponho uma interpretação.
Urashima Taro era um pobre pescador que um dia salvou uma tartaruga que estava sendo maltratada na praia por alguns rapazes. Taro a salvou e devolveu-a ao mar.
No dia seguinte, uma tartaruga enorme se aproximou dele e lhe disse que a pequena tartaruga que ele salvara era na verdade a filha do Imperador do Mar, que gostaria de vê-lo e agradecer-lhe. Ela permitiu que ele subisse em suas costas e, através de magia, fez surgir brânquias em Taro para que pudesse respirar debaixo d’água. Assim pôde levá-lo a uma viagem para conhecer o fundo do mar e o palácio do rei. Lá o pescador se encontrou com o imperador e com a sua filha, a pequena tartaruga, que agora estava transformada em uma bonita princesa.
Taro ficou no palácio como hóspede de honra e muitas festas foram feitas em sua homenagem. Assim foram se passando os dias. Embora contente no fundo do mar, Urashima começou a sentir saudades de sua terra natal e de seus parentes, e pediu para voltar. Ao partir, recebeu da princesa uma arca de presente, com a recomendação de que só a abrisse quando ficasse bem velho e de cabelos brancos.
Ao chegar a sua cidade não a reconheceu, pois estava tudo muito mudado. Ele não conseguiu reconhecer nenhuma das pessoas da vila, as construções já não eram mais as mesmas.
Começou a perguntar se alguém conhecia um pescador chamado Urashima Taro. Somente as pessoas mais velhas relataram que tinham ouvido falar de alguém com esse nome, que havia desaparecido no mar há mais de trezentos anos. Taro acabou descobrindo que haviam se passado três séculos desde o dia em que havia decidido ir ao fundo do mar.
Tomado de grande tristeza, foi para a beira do mar na esperança de reencontrar a tartaruga, mas se desesperou porque esta demorava e acabou abrindo a caixa que a princesa lhe havia oferecido. De dentro dela saiu uma nuvem branca, que o envolveu. Imediatamente, seu corpo tornou-se velho e enrugado, nasceu-lhe uma longa barba branca e suas costas curvaram-se com o peso de tantos anos. E do mar veio a voz doce e triste da princesa: “Eu lhe disse para não abrir a caixa. Nela estavam todos os seus anos”.
A caixa continha os anos da vida de Urashima Taro! O que fazemos com o tempo que nos é dado não é algo indiferente: tem importância para o que nos tornamos e para a nossa felicidade.
Urashima Taro pensou que o problema era o espaço: não se sentia feliz porque tinha saudade do lugar de onde vinha. Não percebeu, porém, que o espaço não é tudo. O tempo é superior ao espaço! De fato, o lugar era o mesmo, mas não o tempo. O seu tempo e a sua vida tinham passado em festas. Quando voltou para a sua aldeia, sua vida era apenas uma lembrança remota enterrada no passado. Nada viveu, nada deixou e, por isso, nada reencontrou.
Caro leitor, querida leitora: reflita um pouco! O que você gostaria que saísse da sua própria caixinha? Somente uma nuvem branca que revele a inutilidade de sua vida? Ou gostaria que dela saísse uma vida que valeu a pena ser vivida?
Gostaria que da minha caixa saísse uma história de bem, uma história pessoal fecundada com a eternidade e enriquecida pela aventura do amor de Deus que se adere a nós e à nossa vida. Imagino que da caixa saia uma vida que não é mais a minha, mas a de Cristo. Sim, essa é a felicidade suprema: não fui eu que vivi, foi Cristo que viveu em mim (cf. Gl 2,20).
- Dom Julio Endi Akamine é arcebispo da Arquidiocese de Sorocaba.