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O tamanho do sucesso

03 de Abril de 2019 às 00:01

O tamanho do sucesso Crédito da foto: Vanessa Tenor

Leandro Karnal

Alexandre, o Grande, tinha no corpo menos grandeza do que no título. Sua altura é estimada entre 1,52 m e 1,56 m. Não era, propriamente, um gigante. Venceu o grande imperador persa Dario III. O derrotado talvez passasse de 2,12 m. Mesmo que as crônicas aquemênidas possam exagerar um pouco, Alexandre sentiu a diferença ao sentar no trono do derrotado. Se houvesse celular naquele momento, a cena teria algo de ridículo. Meu amigo Alex Bezerra de Menezes, especialista em Alexandre, deu-me dados e fontes precisas para trazer esses números à tona. Alexandre, o pequeno, derrotou Dario, o gigante. Altura e sucesso não parecem ser amálgama necessário.

Napoleão devastou a Europa do alto do seu 1,68 m. Não era pequeno para o início do século 19. O francês era ligeiramente mais alto do que seu rival irlandês, o Duque de Wellington (da famosa batalha de Waterloo). Possivelmente, a fama de “anão corso” nasceu da propaganda inglesa e da presença comparativa da Guarda Imperial que chegou a ser um exército dentro do exército napoleônico. Muitos oficiais desse corpo de elite eram altos e ficavam ao lado do imperador. A comparação foi desfavorável ao gênio de Austerlitz.

A injustiça perdurou. Surgiu o termo “complexo de Napoleão” para descrever as pessoas que, tendo baixa estatura, compensam com agressividade ou arrogância. A calúnia inglesa foi eficaz. Contradição interessante: se ser baixo produz uma vontade maior de superar a média, deveríamos, a partir do exemplo napoleônico, considerar que a baixa estatura estimula a força de vontade e o sucesso.

Houve ditadores que poderiam ter sido vítimas do complexo de Napoleão. Mussolini tinha 1,69 m. Usava botas e se fazia fotografar de baixo para cima para criar efeito de maior altura. Muitas vezes discursou do alto de uma plataforma de madeira atrás de um balcão. Quem olhasse da praça, veria Mussolini mais alto do que seus generais ou assistentes. Chaplin ironiza isso em uma cena do Grande Ditador (1940), fazendo com que Hitler e o italiano ficassem elevando suas cadeiras para impor respeito ao “aliado”.

A auxologia estuda o crescimento dos corpos. Há povos que combinaram carga genética e alimentação e apresentam alturas superiores à média mundial. É o caso de um grupo do Sudão do Sul, os dincas, e o caso dos holandeses na Europa. A Holanda é o país das pessoas mais altas do mundo segundo a maioria dos levantamentos. Todos os dez países no topo do ranking estão na Europa. Os motivos são muito variados e incluem hábitos alimentares, saneamento, alimentação durante a gestação e genética. Será contínuo o processo? Os dados dos Estados Unidos mostram que os norte-americanos estão crescendo menos a partir dos anos 1960 do que cresceram no século anterior.

No Brasil a média de altura é de 1,73 m para os homens e 1,60 m para as mulheres, com pequenas variações de acordo com a pesquisa e o método. Aqui Napoleão, com um pequeno saltinho, já estaria na média.

Os brasileiros cresceram. Na média, saltamos mais de 8 cm em 100 anos. Com frequência, filhos são maiores do que os pais. Nosso futuro parece ser mais elevado do que nosso passado.

A auxologia registra que situações de crise afetam o crescimento. Várias gerações de escassez crônica de alimentos na Coreia do Norte levaram a uma diferença significativa entre a outrora harmônica altura dos coreanos do Sul e do Norte. Democracia parece favorecer gente maior. Desde o fim do franquismo, os espanhóis registram um grande crescimento. O ditador, aliás, tinha 1,63 m. O atual rei da Espanha democrática, Filipe VI, tem 1,97 m. Claro, estou fazendo uma falsa associação entre autoritarismo e nanismo, mas, curiosamente, o mundo dos ditadores está mais próximo de se reunir na aldeia dos Smurfs.

Não existe uma possibilidade de associar altura a sucesso, inteligência ou caráter. Hitler tinha 1,75 m, a mesma altura de Albert Einstein. O mundo piorou com um e melhorou com o outro. Se acreditarmos no Santo Sudário, Jesus seria um homem de mais de 1,80 m, um gigante para a Palestina do século 1º. Se o Salvador tinha esse tamanho, o encontro com Zaqueu (descrito como muito baixo em Lucas 19) deve ter sido ainda mais impactante. A graça divina, no caso do coletor de impostos de Jericó, veio do alto.

Existe excessiva preocupação com altura. Pais apelam a tratamentos mesmo que o caso não implique uma preocupação expressiva. Existe bullying em torno de altura nas escolas. Padrões fixos de beleza sempre esbarram na diversidade humana.

Muitos homens sofrem com o que consideram sua baixa estatura e se esquecem de que a horizontalidade da cama é uma equalizadora extraordinária. Quer se sentir alto? Vá para o Timor Leste, um dos países com habitantes os mais baixos do mundo. Você acha sua altura expressiva? Uma caminhada em Amsterdã vai reduzi-lo a alguma insignificância. O domínio da força física e do tamanho limitou-se à pré-história ou às hordas bárbaras da Idade Média. O mundo é da inteligência, algo que, felizmente, não tem relação com estatura. Mark Zuckerberg tem 1,71 m, abaixo da média brasileira. Você preferiria ter 1,95 m ou ser Zuckerberg? Dario III preferiria ser Alexandre, o pequeno Magno? É preciso ter esperança.

Leandro Karnal é articulista da Agência Estado e escreve para o Cruzeiro do Sul.